Sustentabilidade e ética na moda: uma conversa com a estilista Nana Oliveira, do Fashion Revolution

A moda representa uma das indústrias mais intensivas em recursos do mundo, tanto em termos de recursos naturais quanto em termos de recursos humanos, segundo o Danish Fashion Institute, hoje chamado Global Fashion Agenda. O cenário atual apresentado é alarmante,  tornando cada vez mais necessário a ampliação e o fortalecimento de ações mais sustentáveis no setor, um dos que mais lucra no mundo.

Sendo assim, o Hora News, através dos seus jornalistas colaboradores, conversou com a representante em Sergipe do Fashion Revolution, movimento global sem fins lucrativos que atua em mais de 100 países, incentivando maior transparência, sustentabilidade e ética na indústria da moda por meio da conscientização, mobilização e educação. É a estilista e militante por uma moda mais sustentável, Nana Oliveira.

Historicamente, o movimento foi criado após o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh, que causou a morte de 1.134 trabalhadores da indústria de confecção e deixou mais de 2.500 feridos. A tragédia aconteceu em 2013, e as vítimas trabalhavam para marcas globais, em condições análogas à escravidão.

Nana atua como representante desde 2018, mas mesmo antes disso ela trabalhava em organizações e participava de fóruns e eventos que discutiam e atuavam com propósitos semelhantes.

“Em 2019, organizei junto com outras companheiras, a primeira feirinha de brechós de Aracaju, onde conseguimos reunir quase 30 marcas de brechós de Aracaju, Nossa Senhora do Socorro e Barra dos Coqueiros. Oferecemos oficinas, formação e debates com temas urgentes como moda para pessoas trans, moda periférica, moda comunitária, força de trabalho, etc. Hoje a luta é para que haja uma aproximação entre as ações da organização com instituições de ensino, marcas e sociedade”, ressalta.

Sobre a situação atual no Brasil, e em Sergipe, sobre a transparência no processo da rede produtiva da indústria da moda e sua responsabilidade social, a estilista diz que ainda estamos num ideal distante.

“No sistema econômico que a gente vive, a vida vale muito menos que o lucro e assim é moldado todo o processo. Desde a produção do algodão com a disputa de sementes modificadas geneticamente, uso de agrotóxico, o avanço do agronegócio em territórios indígenas e quilombolas, o desgaste ambiental na produção e transporte desses insumos, e por fim a mão de obra na produção de roupas que é historicamente explorada. Então, é quase impossível acompanhar toda a trajetória daquele produto final. Mas quanto mais soubermos daquilo que consumimos, mais poder de mudança/cobrança teremos”, alerta.

A World Global Style Network (WGSN) vem destacando em seus informes uma tendência mais consciente no comportamento do consumidor moderno. Isso quer dizer que, na hora de comprar, os consumidores, principalmente das gerações Y e Z, estão optando por marcas com iniciativas que preservem o meio ambiente e as condições de trabalho dos agentes envolvidos no processo de confecção dos seus produtos.

Sobre o aumento de pequenos negócios de moda, os que produzem em pequena escala, ou com o conceito slow fashion (ou moda lenta, traduzido do inglês), Nana diz que é um processo econômico com várias faces, inserido no contexto de questionamentos da lógica hegemônica capitalista, mas que essa mesma lógica já caminha para novos horizontes mais sustentáveis.

“O que mais se vê são grandes marcas e lojas de departamentos com iniciativas de reutilizar insumos, valorizar mão de obra com recortes sociais, raciais e de gênero, por exemplo. Essas iniciativas são indícios de que há um fluxo de consumidores buscando outras modalidades de compras e prestações de serviço. Por outro lado, existe uma geração de pessoas que percebeu esse fluxo, acredita no potencial da moda ética, mas encontra pouca oferta de trabalho. E assim nasce uma nova marca de produção de pequena escala”, explica.

Se no nosso estado é possível identificar marcas que se preocupam com a matéria-prima empregada na confecção das suas roupas, a estilista diz que sim, principalmente na capital, onde existem marcas de roupas, calçados e acessórios que estão alinhadas a essa política.

E acrescenta: “Poucas marcas usam tecidos certificados. As que usam, em maioria trabalham com malhas. Das marcas que usam técnica upcycling, a maioria compra seus insumos em lojas de refugo de fábrica (sem certificação) e utilizam roupas sem condições de uso para produção de novas. Em Aracaju (centro) e na cidade de Itabaiana existem com maior facilidade lojas desse tipo. Já o termo second-hand é pouco utilizado por aqui, mas brechós são a nova tendência da moda sustentável. Existem lojas físicas e muitas lojas online”.

Por último, falamos sobre a maneira possível de empoderar indivíduos, grupos comunitários e empresas para agirem com melhores práticas sociais e ambientais em toda a cadeia de abastecimento da moda.

“Tudo que falei até aqui é um grande conceito utópico, mas real e inevitável se queremos continuar ocupando esse planeta. Melhorar radicalmente significaria por fim num sistema político e econômico de exploração e isso é muito complicado. Falo inclusive como uma autocrítica do próprio movimento que represento, onde temos apoio de grandes varejistas. Então, afirmo que se a sociedade consumidora dotada de privilégio puder optar por fortalecer o comércio local, buscar por práticas mais éticas e valorizar o trabalho manual, a mudança acontece de dentro pra fora. A economia é um órgão vital para toda e qualquer sociedade e ela é guiada pelo fluxo do dinheiro. Então que esse fluxo passe e circule dentro dos territórios em que essas mãos fazedoras moram e constrói a história de um povo”.

E continua: “Acredito que a maior ferramenta que possa existir para que isso se torne algo mais potente é com o apoio do Estado e suas instituições. Como representante, minha função é me aprofundar em pesquisas, mas ter o entendimento que é preciso cobrar políticas públicas para os fazedores dessa economia justa, limpa e ética. Assim como orientar grupos consumidores para girar seus investimentos para esse tipo de negócio”, aponta a estilista.

Assim, conclui-se que é preciso reforçar a consciência coletiva do cidadão no cuidado com o planeta e com as pessoas, e na moda não pode ser diferente. Por seu caráter multissetorial e de alto impacto, falar de sustentabilidade exige um olhar atento para a indústria e seu entorno, enxergando o ambiente político, econômico, cultural, social e ambiental. Entender essas correlações possibilita encontrar outras formas de atuação para uma moda mais sustentável e ética, incluindo as políticas públicas.


Por Tirzah Resende
Foto: Divulgação

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