Na boca da manhã, às 5 horas do domingo, 23 de maio, em plena pandemia, o governo do Estado de Sergipe resolveu executar, de forma dantesca, ordem de reintegração de posse do prédio localizado no centro de Aracaju, de propriedade da construtora Cosil. O imóvel, desativado e sem cumprir qualquer função social há anos, estava sendo ocupado por dezenas de famílias.
O governo de Sergipe usou a força para executar a ordem de despejo, utilizando forte e desproporcional aparato policial. Entretanto, foi negligente para providenciar assistência às pessoas desabrigadas. Segundo declaração pública da vice-governadora, Eliane Aquino, a Secretaria de Inclusão e Assistência Social não fora, sequer, previamente notificada.
Para promover qualquer execução de reintegração de posse, tanto a lei quanto o provimento do Tribunal de Justiça de Sergipe estabelecem procedimentos mediante os quais o poder público deve obedecer. Não pode o governo executar o despejo de pessoas em situação de vulnerabilidade social, sem antes providenciar as medidas protetivas a serem cuidadas pelos órgãos públicos destinados à assistência social.
O governo de Sergipe, ávido para executar decisão de interesse jurídico da construtora Cosil, sequer acionou o setor de gerenciamento de crise da polícia militar, que é composto por profissionais habilitados para esse tipo de ação governamental. Ao invés, determinou a ação da tropa de choque para arrebentar muro, efetuar prisões e deixar as famílias na rua, sem eira nem beira.
Segundo as regras procedimentais previstas no provimento do TJ/SE e na lei, antes da execução de reintegração de posse dessa dimensão social, deve-se comunicar à Corregedoria do Tribunal de Justiça, ao Conselho Tutelar, à Secretaria de Inclusão e Assistência Social para o fim de examinar se há crianças, idosos, enfermos e verificar a quantidade de pessoas alocadas na ocupação do imóvel, além de checar a existência dos pertences particulares. Essa prévia abordagem é indispensável para a legalidade da ação de despejo e para viabilizar a realocação das pessoas para outro lugar seguro, mesmo que de natureza provisória, evitando violência, conflitos e desamparo social.
As famílias em condições de extrema pobreza, após o truculento despejo, ficaram acuadas, assustadas, violentadas e em situação de altíssimo risco de contágio ao letal coronavírus. Além desse torpor, sete pessoas foram detidas na delegacia de polícia, sem a observância de qualquer medida de higiene sanitária. Foi uma brutal e desumana ação do governo de Sergipe. Um horror!
É temerária a execução de despejo durante esse trágico momento de pandemia. No Brasil já morreram cerca de 450 mil pessoas. E em Sergipe, já se aproxima de 5 mil vidas perdidas. Todos os dias morrem, em média, 25 pessoas em Sergipe. E mesmo com esse quadro drástico, o governo de Sergipe executou esse atarantado despejo. Uma insensibilidade estúpida, e em absoluta contramão às decisões institucionais e judiciais tomadas pelo Brasil a fora!
Por causa da apavorante pandemia, em dezembro passado, o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu qualquer ato de despejo no Rio de Janeiro durante esse período pandêmico. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também editou resolução orientando os magistrados a não conceder ordem de despejo. E, recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei proibindo despejo ou desocupação durante este ano. O projeto está tramitando no Senado em regime de urgência e deve ser aprovado sem objeções. Enquanto isso, em Sergipe…
O governo de Sergipe, ao perpetrar essa sanha aterradora, desconsiderou todo o protocolo científico de proteção às pessoas na pandemia e revelou o seu absoluto desapreço pelas vidas das pessoas em situação de vulnerabilidade social, que ocupavam o prédio desativado da poderosa Cosil.
Henri Clay Andrade é advogado, especialista em Direito do Trabalho, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Sergipe (OAB-SE), e defensor dos direitos humanos.
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