Um vídeo publicado e repercutido nas redes sociais pelo Movimento Brasil 200, organização de direita que em Sergipe tem o comando do publicitário e empresário Lúcio Flávio, associa as manifestações que acontecem no Chile há mais de uma semana a uma articulação de políticos da esquerda chilena e brasileira, bem como ao Foro de São Paulo.
O vídeo mostra cenas de “violência” e atribui à ex-presidente chilena Michele Bachelet a responsabilidade pelos protestos, além de exaltar a ação violenta do governo Piñera para repreender os manifestantes. Também afirma que os protestos no Chile não têm nenhuma relação com o neoliberalismo, mas com a esquerda que estaria desesperada para voltar ao poder.
Inconformado com a inconsistência das informações contidas no vídeo, o advogado e ex-deputado federal João Fontes, um ex-petista que já trabalhou em uma das campanhas de Michele Bachelet, ressalta que o Movimento está desinformado e não retrata a verdade dos fatos. Ou seja, seria mais uma espécie de fake news divulgada na internet para confundir a população e colocar mais uma vez esquerda e direita em rota de colisão.
“A crise do Chile não tem nada a ver com esse vídeo que está passando aí do Brasil 200, que está sendo viralizado nas redes sociais atribuindo ao Foro de São Paulo, a ligação de Lula com Bachelet. Não tem nada disso. Eu acompanho a crise do Chile há algum tempo e acompanho a situação econômica do Chile há muitos anos. O Chile vinha crescendo desde o período da ditadura Pinochet 7%, 9%, 11%. Na redemocratização, eu participei da campanha de Bachelet em 2006, Bachelet ganhou a eleição em 2006. No Chile não tem reeleição, que ela estava lá em cima nos índices das pesquisas. Piñera, que é um empresário muito rico do Chile, um dos acionistas da TAM, um dos donos de mineradora, ganhou em 2010, depois voltou Bachelet, em 2014, e voltou Piñera na eleição de 2018. Uma coisa importante é que essa questão não é de briga ideológica política”, explica João Fontes.
Reconhecendo as virtudes de Bachalet, o ex-deputado sergipano salienta que a crise chilena é fruto da ausência da distribuição de renda com os mais pobres, o que provocou um desgaste social e culminou na recente rebelião popular.
“A Bachelet é uma mulher extraordinária, eu sou apaixonado por ela porque é uma mulher que faz da política um sacerdócio, é uma mulher que tem um amor muito grande, uma mulher rica de virtudes. A esquerda chilena é diferente da esquerda brasileira, que é patrimonialista. Mas não tem nada a ver com o Foro de São Paulo. O que aconteceu no Chile é que a economia andava bem, mas esse crescimento econômico do Chile, com grandes índices na educação, na saúde foi se exaurindo porque na realidade a classe média e a classe baixa não participaram da riqueza do Chile, não têm participado. O pessoal está com o salário arrochado, não distribuiu renda, houve um empobrecimento da classe média, dos mais pobres, e isso o povo foi ficando asfixiado como acontece no mundo inteiro, foi se enrolando como uma bola de neve, mas na realidade as coisas andavam. E essa política está aí, esse desgaste social está aí que não é só deste governo, isso vem enrolando. A gente tem que ter uma posição equilibrista”, admite João Fontes, que enxerga na distribuição de renda a única forma de manter o povo em harmonia com o governo.
“As economias do mundo andam quando o povo participa da distribuição de renda, e não essa história de comunismo, que o Papa é comunista, isso é balela. Então, hoje nós temos duas ditaduras, aquilo que o Papa Francisco diz com muita sabedoria: toda ideologia leva a escravidão, toda a ideologia é burra, porque foi isso que aconteceu nas duas ditaduras do Caribe: Cuba e Venezuela. A China é economia de mercado, não tem nada de comunista, aquilo que Bolsonaro dizia que não ia negociar com a China que é comunista para agradar os Estados Unidos. Besteira”, salienta o ex-deputado, acrescentando ser ignorância do Brasil 200 atribuir a crise no Chile à Bachelet.
“É aquilo que dizia Toquinho numa música, onde ele diz que do mundo inteiro, de Nova York à caatinga do sertão, o que todos querem é trabalho, paz, Justiça, amor e pão. Ou se distribui renda ou um dia a vaca vai pro brejo. E é isso que está acontecendo agora no Chile. E atribuir a Piñera, ou atribuir a Bachelet é pura ignorância. E a maior verdade que esse vídeo não corresponde com a realidade, que esse vídeo e tão irreal, que as informações são tal falsas é que o próprio Piñera pediu desculpas porque não se apercebeu que essa crise era muito grande e que o povo mais pobre estava perdendo a qualidade da educação, a qualidade da saúde. Nenhum movimento de esquerda na América Latina consegue colocar 1,2 milhão de pessoas, como aconteceu no último sábado, em Santiago, no Chile, se o povo não estiver sofrendo”, afirma o ex-parlamentar.
João Fontes também cita outro político de esquerda como exemplo de homem público: o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, eleito recentemente senador pela segunda vez.
“A mesma coisa aconteceu agora na eleição do Uruguai. Mujica no ano passado renunciou ao Senado alegando cansaço e precisou voltar nessa eleição e se elegeu senador de novo, porque o povo uruguaio reconhece Mujica um sacerdote da política. Na mesma esteira de Bachelet, saiu do governo pobre com um fusquinha e com uma casinha que eu até conheci lá no Uruguai, perto de Montevidéu. Então, na realidade, a gente precisa ter juízo e não entrar nessa briga burra dos bolsominios contra os petistas. Quando tem qualquer coisa a culpa é da direita, é disso e daquilo, e do outro lado um grita que a culpa é de Lula, a culpa é da esquerda, é de Bachelet. Meu Deus do céu!”, lamenta João Fontes.
Por Redação Hora News
Foto: Arquivo Pessoal
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