Vidas periféricas importam: todas as comunidades têm direito à vida e à cidade

O ano de 2019 não foi fácil. Vimos os direitos dos trabalhadores serem subtraídos para o enriquecimento cada vez maior dos donos de bancos e megaempresários que “uberizam” a tão precária vida do nosso povo. O presidente propaga ideologicamente que mais armas, mais prisões, mais perdão das dívidas dos coronéis do agronegócio que condenam nossa natureza e nosso planeta, mais corte nos programas sociais, além da perseguição do pensamento livre e da criminalização de professores, comunicadores, artistas e movimentos sociais, são opções para ajustar o Brasil ao seu pensamento neofascista. Mas a realidade é que o Brasil é o segundo país no mundo que mais concentra renda, segundo o relatório da OXFAM de 2019. Isso significa dizer que o Brasil é campeão em desigualdade social. Desigualdade social significa mais mortes na periferia, seja pela política de segurança pública forjada no ideário do populismo punitivista, seja pela retirada de direitos básicos como saúde, educação, moradia e água. Todo esse projeto de necropolítica determina que as vidas de quem controla o dinheiro valem mais que a vida do nosso povo.

Essa desigualdade reflete-se também em Aracaju, onde o valor do rendimento médio de cada pessoa ficou em torno de R$ 1.583,51, segundo último Censo de 2018. Mas apesar do número médio parecer representar dignidade para todos, isso não acontece. A distribuição de renda ainda é perversamente desigual em nossa capital. Enquanto em bairros como Jardins ou 13 de Julho o valor do rendimento médio dos moradores é de R$ 6.925,13, em bairros periféricos como Japãozinho, Coqueiral, Porto Dantas, Santa Maria a média é de R$515,07. Esses mesmos bairros periféricos são condenados a maiores taxas de analfabetismo, de falta de acesso aos postos de saúde, a saneamento básico e condições dignas de moradia. Assim, de forma articulada, concentram as maiores taxas de mortes por armas de fogo e também por violência policial (somando-se ao nosso “abandonado” bairro Centro). Em termos práticos existem duas cidades: uma cidade da propaganda da qualidade de vida e a cidade em que nosso povo é condenado a sobreviver. E esse povo condenado tem cor. Em valores absolutos, a quantidade de pessoas que se autodeclararam de cor preta se destacam nos bairros Santa Maria, São Conrado, Farolândia, Santos Dumont e 18 do Forte. Tanto em valores absolutos como em relativos, os bairros São José, Salgado Filho, 13 de Julho e Jardins apresentam as menores concentrações. Ou seja, o sistema e o Estado decidem quem vive e quem morre pela cor e pelo CEP.

Uma nova esquerda que entenda que o capital é um projeto de morte

A Prefeitura de Aracaju é governada há 15 anos por um bloco progressista capitaneado pelo PT – PCdoB (excluindo a pequena interrupção de 4 anos da gestão de João Alves), que dizia defender os trabalhadores, mas na prática faz conciliação com as construtoras, empresas de ônibus e lixo, de modo a naturalizar que a qualidade de vida só chegue de verdade na 13 de Julho e nas áreas turísticas. O prefeito Edvaldo Nogueira continua permitindo o aumento da passagem de ônibus, a cobrança de taxas de esgoto em comunidades que não têm saneamento, sem projeto de moradia popular e reafirmando uma política de segurança pública militarizada que reprime movimentos sociais e os despossuídos.

Mesmo tentando diferenciar-se da direita clássica e dos neofascistas, alia-se a André Moura e é incapaz de ter uma postura firme de oposição ao governo Bolsonaro, como no episódio do vazamento de óleo nas nossas praias em que ao decretar Estado de Emergência poderia ter efetivado ações de prevenção às consequências da tragédia, de reparação ambiental e garantia de reparação social aos pescadores e marisqueiras. Em nome da governabilidade, esses governantes da velha esquerda parecem para o povo como os da direita. Não estimulam a participação popular e constroem grandes obras urbanísticas que sugam os recursos públicos para a privatização da cidade, como o caso da obra do corredor exclusivo de ônibus na Hermes Fontes, executado por uma construtora local que não irá melhorar em nada os principais problemas dos usuários de ônibus: o alto valor da tarifa, a pouca frota de ônibus e a pouca diversidade de linhas que gera atrasos cotidianos. Essas mesmas obras que potencializam as mudanças climáticas ao cortar árvores, estimulam o binômio urbanização-concreto, que deixam a cidade cada vez mais aquecida e despreparada para o aumento de chuvas torrenciais que condenam os mais pobres e a periferia nas chamadas áreas de risco.

Um delegado LGBT, antiproibicionista e ecossocialista

O ano de 2020 será de eleições polarizadas entre o que é a nova esquerda e o que é a nova direita. O PSOL precisa estar à altura dos desafios do tempo presente e demonstrar por que representa uma esquerda que não se vende e nem se rende. Que é uma esquerda que entende que só defende a classe trabalhadora quem combate o racismo e o patriarcado estruturais que potencializam o genocídio programado nas periferias, e que se não incidir em políticas públicas será cúmplice do aumento dos crimes de ódio contra LGBTI’s, mulheres e a negritude. Que compreende que a natureza não é recurso infinito e enfrente a especulação imobiliária e as máfias do transporte e do lixo, democratizando a terra urbana, preservando nossos biomas e povos tradicionais, construindo uma política municipal participativa de combate às mudanças climáticas, estimulando a agroecologia urbana e financiando políticas comunitárias. Que resgate o financiamento da arte e dos artistas populares, que ouça atentamente o que as expressões culturais revindicam sobre a cidade em movimento. Lutas importantes como a do Fórum do Audiovisual, que simplesmente lutam por financiamento e democracia para que os sergipanos possam ter o direito de serem vistos pelas lentes dos seus pares, potencializando maior diversidade na economia e também nas atuações profissionais.

Por isto, a Insurgência (corrente interna do PSOL e da IV Internacional SU) em Sergipe apresenta o nome do companheiro Mário Leony como pré-candidato a prefeito de Aracaju, apresentando uma candidatura de um delegado que a partir de sua vivência no departamento de homicídios milita contra o genocídio e encarceramento do povo preto e pobre, que é assumidamente gay para enfrentar os discursos de ódio dos neofascistas e reacionários, que é ecossocialista porque compreende que não existe classe trabalhadora desalienada sem natureza preservada e só existe avanços onde a economia esteja a serviço das pessoas e da natureza, e não a serviço dos donos do dinheiro. Que o gestor seja um revolucionário do amor, que não faça conciliação com que nos mata e nos explora, mas que mobilize as comunidades, a periferia, o povo aracajuano para participação efetiva do seu direito à cidade através do poder popular. Chega de gente mansa nos representando! As vidas periféricas importam: todas as comunidades têm direito à vida e à cidade.


Mário Leony é delegado de polícia civil e membro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

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