É desnecessário dizer que, na paisagem política, nem tudo é preto no branco como se deseja. Bem ao contrário, existem imensas áreas cinzentas normalmente ignoradas ou simplesmente negligenciadas tanto pelos envolvidos diretamente nas disputas como por importantes atores ligados ao processo eleitoral.
Os movimentos políticos organizados, por exemplo, não raro adotam a postura infantil de colocar uma venda nos olhos para não enxergar as verdades incômodas. Nesse aspecto, costumam ser menos racionais do que suas congêneres do campo futebolístico, que, apesar do amor aos clubes – ou antes em razão disso -, não poupam dirigentes, comissão técnica, atletas ou quem quer que seja quando as coisas começam a desandar e apontam para um desfecho trágico.
Valmir de Francisquinho, mesmo com o registro da candidatura indeferido, obteve, de acordo com o TRE, 457.922 votos no dia 02 de outubro, correspondente a 37,6% dos votos depositados em todos os candidatos. Caso esses votos fossem validados, seguiria na disputa enfrentando Rogério Carvalho (PT), segundo colocado, com 27,8% dos votos. Fábio Mitidieri (PSD), candidato do governador Belivaldo Chagas, com apenas 24,2% dos votos, estaria fora do páreo.
O eleitor de Valmir de Francisquinho está convencido de que seu candidato foi retirado da disputa devido à intervenção de Fábio Mitidieri, que teria operado ativamente nos bastidores para torná-lo inelegível. Todavia, como diz o adágio popular, “o risco que corre o pau, corre o machado”, de modo que, ao forçar a mão para neutralizar um forte adversário, Fábio transformou em missão quase que impossível a conquista do seu eleitor, que passou a vê-lo não só com desconfiança, mas como uma espécie de Dick Vigarista da atual corrida sucessória e algoz do único candidato que personificava o acalentado sonho de mudança.
Acontece que Rogério Carvalho também é rejeitado por boa parte dos eleitores de Valmir, não por ter sabotado sua candidatura como um caricato vilão de desenho animado, mas por ser filiado ao PT. E essa rejeição torna-se tanto mais difícil de ser contornada à medida que se aprofunda a disputa entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL) no plano nacional.
Melhor explicando: independente de ser filiado ao mesmo partido do atual presidente da República, Valmir de Francisquinho obteve a maioria esmagadora dos 378.610 votos depositados pelos sergipanos em Jair Bolsonaro no primeiro turno. Isso se deve ao fato de que o eleitor bolsonarista, de perfil conservador, enxerga Fábio e Rogério como as duas faces da mesma moeda, dois legítimos representantes do campo progressista, dois políticos fortemente comprometidos com Lula e seu projeto de poder.
Malgrado tais convicções, é fato que estamos diante de um novo, complexo e imprevisível cenário. Portanto, ao invés de simplesmente lavarmos as mãos e deixarmos que impere em nosso estado a lei do mais forte, devemos nos posicionar de forma bastante clara, a fim de evitar que as atrocidades cometidas contra Valmir se transformem em súmula vinculante dos tribunais de exceção.
Daí a importância em se compreender que Valmir, depositário de quase meio milhão de votos legítimos, tem não apenas o direito, mas o dever irrenunciável de se posicionar neste segundo turno. E se ele, conforme esperado, declarar apoio a Rogério Carvalho, é fundamental que o seu eleitor o apoie incondicionalmente nessa decisão, mesmo porque nenhuma outra é cabível e aceitável na atual conjuntura.
Em São Paulo, o governador Rodrigo Garcia (PSDB), aliado de João Dória, anunciou apoio a Bolsonaro para a presidência e a Tarcísio de Freitas (Republicanos) para o Palácio dos Bandeirantes, após ser derrotado no primeiro turno. Já o senador José Serra, do mesmo partido, declarou em suas redes sociais: “Não vou me alongar sobre o tema. Diante das alternativas postas, votarei em Lula. E, pela mesma razão, em São Paulo, meu voto será em Tarcísio de Freitas.”
Em Sergipe, o senador eleito Laércio Oliveira (PP) declarou apoio a Bolsonaro e Fábio Mitidieri, que vem usando a imagem de Lula de forma ostensiva, como se fosse ele, e não o seu adversário, o candidato do Partido dos Trabalhadores.
Ora, se Laércio Oliveira tem o direito de apoiar Bolsonaro para a presidência e um aliado de Lula para o Governo do Estado, em razão das peculiaridades da política local, por que sonegar a Valmir de Francisquinho esse mesmo direito, sobretudo depois de tanta humilhação e perseguição levadas a efeito pelos donos do poder?
Votar em Bolsonaro para presidente e em Rogério para governador, dada a conjuntura particularíssima de Sergipe, não implica incoerência ou renúncia às convicções político-ideológicas. Antes, denota maturidade e capacidade de escolher o caminho mais seguro em meio à paisagem acinzentada.
Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil, foi candidato a prefeito de Aracaju em 2020 e é articulista colaborador do Hora News.
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