Saúde nas Entrelinhas – A retirada das tropas americanas do Afeganistão depois de alguns ensaios prévios assustou o mundo. Em meio a saída dos americanos – O talibã, grupo extremista islâmico que governou o país de maneira ultrarradical por mais de uma década, voltou ao o poder. Com o atentado de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos, o país foi tomado e o regime talibã deposto. Até agora.
A história do Afeganistão e da região que o cerca é extremante complexa e passa por constantes guerras e invasões ao longo dos anos. Inúmeras histórias foram contadas em livros e filmes como “O caçador de Pipas”, “A Cidade do Sol” e “O livreiro de Cabu”. A maioria deles retrata um passado recente de dominação talibã e as consequências de um regime autoritário e violento. Para quem gosta de ler como eu e pôde experimentar bem de longe pelas páginas dos livros o que foi aquele período, entende o desespero de milhares de pessoas invadindo o Aeroporto para poder tentar escapar do que pode ser chamado de mais uma tragédia da humanidade.
E as mulheres?
A violência contra a mulher é uma realidade mundial. Existe atualmente um olhar atento para o tema na agenda da maioria dos países democráticos. Esse olhar levou a adaptação de suas leis para punições mais severas, mas estamos longe de combater esse mal.
O período dominado pelo Talibã no Afeganistão pode ser considerado uma das maiores experiências de terror à mulheres na história mundial. Longe de ser historiadora, sempre tive curiosidade em entender o que faz da mulher uma figura histórica de tamanha fragilidade.
Após a ocupação americana, as mulheres afegãs conseguiram reestabelecer o mínimo de dignidade em sua existência podendo frequentar escolas, descobrir o rosto ou andar sozinhas nas ruas. O reestabelecimento de uma gestão fundamentalista, regida pela interpretação subjetiva da Sharia transformando leis do Alcorão em leis humanas interpretadas por extremistas traz desespero às mulheres afegãs e deixa o alerta a todas as mulheres da sociedade contemporânea. Direitos adquiridos não são adquiridos, são cedidos temporariamente a depender de quem está no comando. Considerando que a humanidade anda em círculos, em algum momento, situação semelhante pode acontecer em qualquer lugar do mundo.
A fragilidade
Minha dúvida segue sem resposta. Homens europeus dizimaram homens africanos e índios durante a colonização das Américas que iniciou no século XVI. Os homens africanos em sua maioria possui uma constituição física maior que os europeus, o que me faz pensar que a mulher ser mais frágil não serve de justificativa para sua submissão. O que cria a capacidade de dominação é a organização de seus pares e obviamente, seu poder de fogo.
Mulheres podem atirar assim como homens, podem desenvolver habilidades de luta, podem enfrentar de igual para igual um embate se bem preparadas. Não falo de uma mulher, mas de milhares de mulheres vivendo no mesmo lugar sem a capacidade de se organizar para se proteger. Sim, mulheres tem que se proteger, umas as outras, sempre. Não poque são mulheres, mas porque tem direitos cedidos.
Feminismo
Quando falamos feminismo, geralmente vem atrás uma interpretação irônica associada a mulheres frustradas.
Por definição o feminismo nada mais é do que uma série de ações e ideais para que haja equidade de gênero em qualquer tipo de relacionamento social, seja em ambiente de trabalho, na vida doméstica ou em atividades sociais em geral.
Não há absolutamente nada de errado nisso. O erro está em criar um estereótipo depreciativo para quem acha que mulheres são tão aptas quanto homens para desempenhar toda e qualquer atividade. Longe do extremismo, é obvio que algumas mulheres podem ser mais habilidosas em trabalhos manuais delicados e alguns homens podem ser mais habilidosos em fazer trabalho que demande força física. A essência está justamente e em reconhecer a habilidade como não inferioridade.
Como já escrevi em outras situações, o que falta é entender que mulheres tem uma grande dificuldade de criar uma rede de cooperação organizada entre elas e só terão direitos conquistados quando esta rede for forte o suficiente para um aguentar um embate. Enquanto isso não ocorre, se é que um dia irá ocorrer, vamos assistir a aberrações escancaradas como as que irão seguir no Afeganistão e tantas outras veladas na rotina diária de todas elas. Infelizmente.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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