Sob o Céu que nos protege

Saúde nas Entrelinhas – Mais uma semana se passou e como previsto, com capítulos a cada dia mais dramáticos. Somado a aumento vultoso de casos de Covid-19, UTIs lotadas e hospitais fechados, assistimos de camarote a mais uma aberração política que não poderia vir em momento menos oportuno.

Enquanto a linha de frente se exauri tentando administrar o cansaço físico e emocional as atenções foram voltadas para uma possível disputa política nas próximas eleições. Aprendi na medicina que nada está tão ruim que não possa piorar e vejo que essa regra pode ser aplicada em diversas situações, como a realidade que estamos vivendo.

A doença

Apesar de não haver dados oficiais sobre a faixa etária acometida por essa nova onda da Covid, estamos presenciando a chegada de mais jovens evoluindo para quadros graves. Se está havendo alguma mudança no comportamento viral nós não sabemos, mas essa semana foi aberta em Recife a primeira UTI Covid para crianças e a única UTI pediátrica privada de Sergipe também está toda ocupada com crianças acometidas pela doença. O vilão está a solta e nós discutindo a corrida presidencial das próximas eleições.

Felizmente, talvez essa provocação tenha tido algum valor quando vemos o alto executivo adotando medidas sanitárias antes renegadas e criando meios de adquirir mais doses de vacina. Sem dúvidas muito atrasados considerando a gravidade nacional da situação.

Os doentes

Não é só de Covid que padece a humanidade. Ainda estávamos enfrentando as consequências do atraso diagnóstico e da falta de controle das doenças crônicas da primeira onda quando fomos acometidos pela segunda. Como da primeira vez, todo o suporte hospitalar fica focado em pacientes acometidos pela Covid e os demais doentes perdidos em um sistema que já não funcionava. No caso de pacientes oncológicos, a situação não poderia ser mais dramática. Sem suporte hospitalar adequado e com órgãos regulatórios fracos, convênios simplesmente negam a liberação de cirurgias e procedimentos em uma situação de corrida contra o tempo. No SUS, nem se fala.

Essa semana foi publicado documento vindo de uma Autarquia responsável pela saúde de funcionários públicos cancelando a autorização de procedimentos cirúrgicos eletivos de qualquer natureza. Só entende o desespero de pessoas acometidas pelo câncer que precisam operar quem vivencia essa realidade. Pior que errar é não aprender com o erro. Tivemos a oportunidade de nos planejar para manter a assistência a todos os pacientes e a perdemos. A criação de fluxos e unidades “Covid free” poderia garantir assistência a todos. Sem planejamento, pacientes oncológicos evoluem com piores desfechos, maior morbidade e maiores custos nos próximos meses.

A solução

Não há milagre que irá resolver efetivamente as consequências da Covid em todos os âmbitos da sociedade. Doentes sem assistência, crianças sem educação, sociedade sem cultura sanitária, sistema em colapso. Nunca é tarde para gestores refletirem em busca de uma solução para criação de protocolos e novos fluxos. O que não foi feito da primeira vez pode ser desenhado para os próximos meses para não recebermos mais casos avançados de tumores ou pacientes crônicos descompensados. É prioritário a discussão de políticas de contenção de danos e de educação sanitária para a população. De mãos amarradas, seguimos na esperança de que os céus nos protejam.

Até semana que vem.


Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.

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