Saúde Mental: como viver em um mundo pandêmico?

Qual a diferença deste ano que começou e todos os demais? Quanto a COVID-19 influenciou a sua rotina e seu modo de vida? Qual a consequência dessa mudança de hábitos (ou tentativa) de cercear o aspecto social do ser humano? E isso tudo, o que gerou de impacto para os profissionais que lidam com a Saúde e, mais especificamente, com a Saúde Mental?

O maior desafio da pandemia causada pelo novo coronavírus passa, em definitivo, pela capacidade de as pessoas lidarem com os impactos no modo de vida e isso é fundamentalmente resiliência e adaptabilidade, que estão no campo mental. Não sair de casa parecia uma coisa simples e muito fácil de ser “domada”. Entretanto, quando os dias foram passando, a aparente tolerância deu espaço a mecanismos mentais das mais variadas formas, pensamentos e ações.

Artimanhas da mente, como negar que pode adoecer ou alguém próximo morrer foi um recurso utilizado – e ainda é – para muitas pessoas. Outro comportamento também desadaptativo é o excesso de zelo e cuidados de limpeza e higienização, que aflora, em muitos, seu traço obsessivo-compulsivo e até transtornos de personalidade paranoide. Inventar remédios caseiros e assumir crenças descontextualizadas da prática científica também estão entre o funcionamento mental de uma significativa parcela da população. Tudo isso construído por uma mente desesperada em manter-se numa zona de conforto segura e conhecida, diante dos grandes medos e dores desencadeados pela incerteza do porvir.

Nosso maior desafio não é o Sistema público e/ou privado de Saúde, a corrida pela produção de vacinas ou a gestão política da crise sanitária. O grande desafio da humanidade atual é lidar com sua saúde mental. É manter sua mente saudável para dar as respostas corretas à demanda que surgiu. Mas ficar em casa, não ir a baladas, não visitar e confraternizar com a família ou com os amigos aproximam as pessoas de aspectos para os quais o mundo capitalista contemporâneo não as preparou.

O maior desafio da pandemia e o motivo de tantos agravamentos e superlotação dos hospitais é a dificuldade de o ser humano lidar com sua solidão, seu desamparo e sua finitude. Esses sentimentos foram sufocados por produtos e serviços vendidos como a “solução” do problema. Mais que isso: como o caminho para a felicidade! Com o celular, a pessoa pode se relacionar de forma mais rápida e com mais recursos com as demais, não se desconectando do mundo nem dos outros sequer por um minuto… o que já não parece suficiente.

A sociedade não está acostumada a voltar-se para si; a se permitir estar só e se observar. Apreender e sentir sensações, emoções e sentimentos de forma a conhecê-los e, com a ajuda do pensar, aprender a conviver com eles. Em um mundo onde a busca é por anestesia e fuga da realidade, quer seja pela fantasia ou pela virtualidade, agora se paga o preço pelo desligamento e fragmentação do Eu.

Estamos com profissionais de Saúde exaustos, após quase um ano de pandemia, trabalhando sem condições adequadas de equipamentos hospitalares e sem suporte mental, por horas a fio, sem descanso ou pausas. Profissionais que pedem e repetem apelos para que a população fique em casa e tenha os cuidados necessários, que usem equipamentos de segurança (EPIs) aos que estão nas ruas, como as máscaras e os face shields, que não se aglomerem, mas não são ouvidos. Melhor, são ouvidos, mas não têm condições de lidar com o que sentem, seus impulsos e controle do sentir. Eles acabam adoecendo física ou mentalmente, agravando a situação com o afastamento de trabalho e consequente diminuição da mão de obra que cuida da vida dos enfermos.

Os consultórios psicanalíticos, psicológicos e psiquiátricos estão cheios de pessoas que adoeceram por não saberem lidar com a realidade, mas também de profissionais da Saúde que estão doentes por exaustão e pressão do trabalho, somadas com seus próprios medos e dores.

Para nós que somos da Psicologia, nunca nos foi tão exigida, como agora, a capacidade de lidar conosco, a fim de dar suporte ao agravamento dos nossos analisandos e pacientes. A teoria e as técnicas sozinhas não são suficientes para sanar o que se passa dentro de nós que estamos em uma das pontas, responsáveis por promover o retorno da saúde. Muitos também adoeceram ou estão trabalhando sem condições de dar a continência afetiva necessária para o restabelecimento da saúde mental de quem nos procura. E agora?

Agora é recorrermos também ao processo de autoconhecimento que toda psicoterapia promove e colocar em prioridade o cuidado com a nossa mente. Ferramentas como meditação, atividades físicas e dietas balanceadas passaram a ser fundamentais para complementar e potencializar o verdadeiro trabalho de introspecção em busca do conhecer-se e lidar consigo. Nunca os profissionais da Saúde Mental foram tão importantes como agora, mas para isso é preciso que se tenha saúde completa, contemplando aspectos biopsicossociais e espirituais de cada um. Grupos de apoio da categoria e análise individual são essenciais no processo. E, se for necessário, estudar e realizar publicações, ampliando o conhecimento. Não para a aplicação teórico-técnico de forma descontextualizada da ligação e vinculação terapeuta-paciente, mas como consequência da experiência do encontro consigo e com os outros.

Aprender a suportar e cuidar da sua solidão, do seu desamparo e do sentimento de finitude estão na ordem do dia. Olhando para dentro é que alguém pode se reconstruir, se fortalecer, olhar para fora e seguir em frente. Conhecendo-se é possível ampliar a visão do mundo externo e encontrar respostas e soluções possíveis, mesmo porque tudo começa e termina em nós.


Petruska Passos Menezes é psicóloga, psicanalista e articulista do Hora News e escreve semanalmente artigos sobre Comportamento e Saúde.

Comente

Participe e interaja conosco!

Arquivos

/* ]]> */