Comportamento e Saúde – Nós, estudiosos do comportamento, estamos sempre nos desdobrando e correndo atrás das mudanças culturais dos novos tempos. Desde a Idade Antiga, os relacionamentos humanos sempre sofreram alterações nas formas e modelos. Os relacionamentos unicamente sexuais de procriação do início dos tempos e a alteração da natureza para a constituição de grupos sociais e vínculos como forma de dar maior segurança e sobrevivência à prole se tornaram instituições sociais, como o casamento e rituais semelhantes, já na Antiguidade.
Freud, criador da Psicanálise, diz que o amor é consequência da necessidade basilar de cuidado do ser humano. Ele começa na relação mãe-bebê como única forma de o bebê sobreviver, e vai sendo transformado no decorrer do desenvolvimento em amor erótico, entre um casal.
Entretanto, estamos vivendo um novo modelo relacional: o modelo tinderiano. Ao contrário do aprofundamento afetivo e monogâmico defendido com afinco, que vigorou até três séculos atrás, as relações podem até ser intensas, mas agora têm “prazo de validade” para acabar. E em outros casos, não podemos chamar nem de relações, pois a ideia é somente de alívio das tensões e obtenção de prazer.
A atual realidade das relações via aplicativo – o mais conhecido é o Tinder – nos fornece novos olhares sobre como estão se desenvolvendo os vínculos. Os casamentos não acabaram e temos casais constituídos a partir de aplicativos de encontros.
Os perfis são os mais variados: casais procurando novas formas de relação sexual com outros parceiros, as “brincadeiras” sadomasoquistas, pessoas procurando o verdadeiro amor e uma maioria buscando relações instantâneas e oportunas hedônicas (definidas pelo prazer). Fico questionando-me como estão os sentimentos diante desta nova brincadeira.
Os sentimentos surgiram no ser humano como uma primeira forma de proteção ao ambiente e construção de vínculos, sendo algo de funcionamento mais antigo e presente no corpo. Não são tão adaptáveis e mutáveis quanto gostaríamos, e para poder lidar com as emoções e desenvolvê-las só é possível vivendo-as. A busca do prazer pelo prazer não é suficiente para preparar as pessoas para a convivência contínua, independentemente da troca de parceiro ou da permanência com uma única pessoa durante grande parte da vida.
Frustrações nos primeiros relacionamentos ou relacionamentos muito significativos podem desencadear modelos de comportamento que inibem o contato profundo como autodefesa contra o sofrimento, e levam as pessoas à vivência superficial dos relacionamentos iniciados no mundo virtual e o outro, em vez de ser desvelado, assume o papel no mundo imaginário daquele que dar match (quando duas pessoas se curtem no Tinder), fugindo da realidade para a fantasia.
Penso que este modelo atual de construção de vínculos só pode ser realmente agregador se neste encontro entre pessoas for possível a troca de sentimentos, afetos, amor. Do encontro, surgem novas formas de sentir e introjetar uma parte do outro. Com isso, há crescimento e expansão do self e, na despedida, o indivíduo é capaz de viver um sentimento muito nobre: a SAUDADE. Saudade é a presença na ausência. É saber que, em uma parte sua, alguém ocupou um lugar que não está mais lá concretamente, mas que as lembranças construíram uma rede tão complexa e intensa de sentimentos que eles continuam, mesmo quando o outro parte. Esse funcionamento não é tão simples e comum, mas importante no
complexo mundo de relacionamentos contemporâneos. A saudade dói, mas é uma dor boa que desenvolve a resiliência, amplia a possibilidade de amar e sentir amor e enaltece a autoestima.
Assim, as relações tinderianas não precisam ser superficiais e frágeis. Elas terão o tom e a intensidade daqueles que estão no vínculo. Para quem tem um ego tão ferido que bloqueia qualquer forma de contato afetivo, o Tinder possibilita uma vivência ideativa e narcísica, que é a única forma de suportar a realidade. Portanto, para quem se permite e possui a capacidade
de mergulhar nas profundezas do sentir e encontrar pessoas que também se permitam isso, temos mais uma ferramenta tecnológica para que as relações aconteçam e o amor, tão ausente nas nossas vidas líquidas, sobreviva. “Amor que não se pede, amor que não se mede, que não se repete, Amor”. (Marisa Monte/Nando Reis).
Petruska Passos Menezes é psicóloga, psicanalista e articulista colaboradora do Hora News e escreve semanalmente artigos sobre Comportamento e Saúde.
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