Nos idos dos anos setenta, do século passado, quando estudávamos na Universidade Federal de Sergipe e assistindo às primeiras aulas do curso de História na antiga Faculdade de Filosofia na Rua de Campos, já nos chamava a atenção um problema que era apresentado e discutido no meio acadêmico sobre se, a “História” poderia a ser classificada como “Ciência” já que estava inserida na área das chamadas “Ciências Humanas”.
Na época, embora esse fato, já despertasse entre os professores e estudantes do curso de História algum interesse, não nos propusemos a fazer um maior aprofundamento sobre o tema, já que a preocupação, em geral, era afirmar-se de que o estudo da História era “científico”, cuja expressão máxima era o Materialismo Histórico. Assim como às demais ciências, seguia métodos racionais na pesquisa de campo e na formulação de conceitos gerais devendo, portanto, ser aceito como tal.
Mais adiante, por ocasião da nossa participação em Simpósios Nacionais patrocinados pela Associação Nacional dos Professores Universitários de História – ANPUH, aqui em Aracaju e no Rio de Janeiro, percebemos, mais uma vez, o esforço dos professores, em geral, ao apresentarem os seus trabalhos, buscando reafirmar o caráter “científico” do estudo da História, o que fortalecia a nossa dúvida sobre porquê dessa preocupação.
Quando muitos anos mais tarde, já cursando o chamado Curso de Ciências Jurídicas, também na Universidade Federal de Sergipe e posteriormente na Universidade Tiradentes, a questão embora entre os professores de Direito, não percebíamos a discussão sobre o tema, agora relativo ao “Direito” ser ou não Ciência, haja vista que o curso estava
inserido também na área de Ciências Humanas de ambas as instituições.
Continuei sem compreender a razão daquela necessidade de afirmação conceitual de serem a História e o Direito… “CIÊNCIAS”. Depois de uma longa reflexão sobre o tema e uma busca retrospectiva histórica de quando começou essa preocupação conceitual de qualquer estudo acadêmico, principalmente na área das Ciências Humanas, que deveria afirmar-se como “ciência”, fomos encontrar, historicamente nos finais do século XIX e início do século XX, na Escola Filosófica do Positivismo, alguma luz que nos iluminou na percepção do porquê dessa necessidade de almejar, no campo da ciências em geral, um status de “ciência” para qualquer estudo ou produção acadêmica que só poderia ser valorizada, caso obtivesse um carimbo de “científico”.
E como sabemos hoje, foi no século XIX que verificou-se os maiores avanços na aplicação dos princípios científicos na vida prática das pessoas, através dos processos industriais onde seriam comprovadas a aplicação prática daqueles que, até aquele momento, haviam permanecido no campo apenas epistemológico.
Consequentemente, tudo que era a princípio, fruto apenas de uma elaboração teórica, quando nos laboratórios e oficinas fossem transformados em objetos práticos e que servissem de forma utilitárias às vidas dos cidadãos alcançavam, imediatamente, um status de valor econômico. Daí vem o conceito de Revolução Industrial que, desde aquela época, vem transformando o mundo.
Toda essa digressão acima exposta tem um propósito de buscar demonstrar que, embora tenhamos valorizado e ainda o fazemos na contemporaneidade, o conceito de “ciência” como bom e proveitoso para nós seres humanos, sempre nos vem a bendita dúvida cartesiana de que apesar dos avanços na Física, Química, Biologia e, principalmente, da Lógica Matemática, que possibilitaram toda essa transformação
constante, ainda permanece, no nosso espírito irrequieto com relação às ciências como um todo, algumas incertezas quanto à sua eficácia na solução de alguns problemas, os quais pensamos, estão, pelo menos por enquanto, além de sua capacidade de solucioná-los.
Essas incertezas levam-nos a lembrar da necessidade de uma visão crítica sobre esse “cientificismo”, em particular na área de Ciências Humanas, pois esse conceito, trazido pela chamada Filosofia Positivista que nos finais do século XIX e início do século XX teve sua projeção no campo da Sociologia, Direito e Medicina e até os dias de hoje supervalorizado ainda por alguns, mas que alicerçaram toda uma cultura utilitarista que, sem uma devida, necessária e apurada crítica, juntamente com o seu uso ideológico alicerçada por Estados Totalitários, justificaram e produziram algumas das maiores tragédias para a humanidade em nome da Ciência.
Na sociologia moderna positivista daquela época procurou-se, num esforço epistemológico gigantesco, justificar a escravidão de seres humanos, com base em etnias e/ou da cor de sua pele, ou seja: Estabelecendo-se então um conceito científico de “raça” que, por incrível que pareça até pouco tempo, era aceito na Academia e sociedade em geral.
Sobre esse particular, muitos intelectuais brasileiros à época, em função dessa “visão científica”, aconselharam as autoridades do governo, a estimularem a vinda de emigrantes europeus para, segundo esses estudiosos, melhorar a nossa raça haja vista que, segundo esses cientistas, a contínua miscigenação da nossa população, formada de brancos, negros, mulatos, índios e mestiços, constituiria um perigo para futuro da Nossa Nação pois, segundo a ciência, produziria ao longo do tempo a sua degeneração.
A Filosofia Positivista, assumindo um carater científico na área do Direito, proporcionaram a alguns juristas no campo da Criminologia, a justificativa de que, um indivíduo possuidor de algumas características físicas bem definidas pela Ciência Jurídica, apresentaria por aqueles traços físicos, uma definição clara de ser “um criminoso nato”, quando não, de ser possuidor de uma “tendência” ao cometimento de crimes.
No campo da Ciências Médicas desenvolveu-se as mais diversas teorias científicas para a melhoria da saúde física e mental dos indivíduos que passaram a ter à sua disposição, as mais diversas substâncias farmacológicas que possibilitando a cura das suas mais diversas enfermidades do corpo, sem falar das experiências no campo do estudo da mente humana que também buscaram na Ciência o seu apoio conceitual e social, de uma medicina científica e moderna, através da Psicanálise.
E ainda no afã da busca da melhoria constitutiva física dos indivíduos, desenvolveu-se também com estes, as primeiras experiências com base na “Teoria Científica de Melhoria das Raças’, a tão conhecida “eugenia”.
Tornou-se claro então, já naquela época, que em nome do modernismo a “ciência” deveria ser sempre ouvida e respeitada e, caso alguns críticos ousassem colocar algumas dúvidas sobre ela, eram tratados como portadores do atraso, bruxos e curandeiros, devendo portanto, serem desacreditados e rejeitados à priori pela “sociedade moderna.” Hoje, no mundo em tempos de pandemia produzida por um vírus do Covid 19, ficamos admirados em ver, pela quase unanimidade dos responsáveis pela saúde pública, a exaltação à “Ciência” através do conceito de “isolamento social”, como único meio de controle desta pandemia.
Enquanto isso, os meios de comunicação através dos seus “sábios jornalistas” procuram, papagaiadamente, enaltecer o papel da ciência, colocando-a praticamente como a “deusa salvadora” da humanidade.
Diante de toda experiência histórica da humanidade, como acima demonstrado, acreditamos que a ciência de hoje como de ontem, poderá nos orientar, porém sem jamais ser vista como uma panaceia de certeza lógica-matemática para solução de todos os nossos problemas que, às vezes, em termos de resultados objetivos, ilusoriamente esperamos e desejamos. Restando-nos portanto, nesse momento difícil de angústia e sofrimento, buscarmos prestar atenção às orientações médicas, sem contudo segui-las de forma cega e estúpida.
Finalmente não deveremos esquecer jamais de que somos constituídos além da matéria, de outras dimensões transcendentais que escapam, por enquanto, ao entendimento da Ciência, mas que estão a merecer por todos nós, uma melhor atenção.
Críticas e sugestões, no email do autor: pfontes@globo.com.
Paulo Nogueira Fontes é professor, historiador e advogado.
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