Reflexões jurídicas sobre o afastamento do governador do Rio de Janeiro

Na última sexta-feira, dia 28, o Superior Tribunal de Justiça determinou o afastamento imediato, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, do Governador do Estado do Rio de Janeiro. A decisão foi tomada em decorrência das apurações havidas na denominada “Operação Tris in Idem”, que investiga supostos atos ilícitos praticados no âmbito daquele Estado, tendo a participação de agentes públicos e de pessoas não detentoras de qualquer cargo, emprego ou função pública.

De imediato vieram à tona alguns questionamentos: é possível afastar do cargo um Governador de Estado, no âmbito de uma investigação criminal? Quais os possíveis desdobramentos desta decisão? Há respaldo constitucional ou legal para que ela tivesse sido adotada?

Não se trata, nestas linhas, de uma análise sobre a culpabilidade ou não do Governador, ou ainda de uma exposição sobre aspectos de sua trajetória política. Tampouco sobre as afirmativas feitas pelo afastado Chefe do Executivo fluminense a respeito de uma suposta perseguição nas investigações. Tal análise cabe às instâncias competentes. Todavia, não se pode negar que o tema suscita debate no campo jurídico e no campo acadêmico, e é a respeito destes aspectos que a discussão tomará forma.

Um dos primeiros questionamentos que veio à tona foi a respeito da possibilidade de afastamento do Governador de suas funções. Afinal de contas, tal medida encontra respaldo em lei? A resposta é positiva. A Lei nº. 12.403, de 04 de maio de 2011, acrescentou o inciso VI ao art. 319 do Código de Processo Penal, passando a prever a possibilidade de suspensão do exercício de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Tal possibilidade consiste em uma “medida cautelar diversa da prisão”. Ou seja: é uma medida, em tese menos gravosa, que pode ser adotada em lugar da restrição de liberdade.

Mesmo o Governador de Estado, autoridade eleita pelo voto popular, sujeita-se a este dispositivo. Afinal de contas, nossa Constituição estabelece que “todos são iguais perante a lei”, e neste caso não haveria motivos para ser de outro modo.

Noutro lado, surgiu o questionamento acerca do fato de a decisão de afastamento ter sido tomada monocraticamente – ou seja, a decisão foi proferida de modo singular pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Poderia o Ministro ter adotado a decisão? Neste ponto, acredito não haver questionamento sobre a possibilidade jurídica – de acordo com as leis vigentes – de o Ministro ter decidido monocraticamente.

A este respeito, o art. 105Ia, da Constituição Federal, estabelece de forma precisa que compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os Governadores de Estado no caso de crimes comuns. No referido Tribunal, a condução do processo cabe a um Relator, que pode adotar medidas como a aqui discutida.

É certo que tais medidas são sujeitas a recursos e a uma reanálise por parte dos pares que compõem o STJ, mas não se tira do Relator a autoridade de proferir tais decisões. Atualmente, a lei não exige qualquer procedimento especial ou quórum qualificado para aplicação de tais medidas a detentores de cargos eletivos.

A suspensão das atividades é medida essencial para impedir a continuidade delitiva e deve ser adotada quando presentes os elementos que autorizem a sua imposição. É o que está previsto no Código de Processo Penal, e parece ser uma medida apropriada para casos que se enquadrem nestas situações.

O que provoca uma reflexão neste caso é o precedente que pode ser criado a partir desta decisão. Não se pode fugir do fato de que é uma medida extrema (que, embora extrema, pode ser adequada) o afastamento de um Governador democraticamente eleito por parte de uma decisão singular do judiciário.

Não se diz, com isto, que a decisão monocrática do Ministro do STJ no caso discutido está incorreta em seu procedimento. Como dito, está amparada em lei e poderia ter sido adotada. Esta é a análise puramente legalista. Repete-se: pelas normas vigentes, não há necessidade de decisão colegiada para estes casos, e exigir para o caso em questão seria criar um privilégio inexistente, o que não se admite.

Todavia, merece destaque a reflexão do Prof. Flávio Martins, brilhante constitucionalista, que discute, em tese, a possibilidade de uma futura alteração legislativa para que se passe a exigir um quórum qualificado para que tais decisões sejam proferidas.

De fato, tal exigência proposta manteria inalterada a possibilidade de aplicação da medida cautelar de suspensão do exercício da função a autoridades que estejam no exercício de mandatos eletivos, mas sujeitaria a decisão ao crivo de um julgamento colegiado.

Contudo, a mudança na regra do jogo exigiria uma alteração legislativa. Hoje, a lei não impede a decisão monocrática para estes casos. Enquanto não existir tal alteração (se é que um dia existirá), casos semelhantes poderão (e deverão) ser tratados desta mesma forma.

Seria o caso, o entanto, de um projeto de alteração da legislação para exigir um quórum qualificado em decisões desta espécie?

Costuma-se dizer que o direito não é uma ciência exata. Isto significa que a pergunta acima não comporta um “sim” ou “não” puro e simples. Adoto este raciocínio neste texto. Não se procura uma resposta perfeita para solucionar tal questão. O que se propõe é uma reflexão sobre o tema.


Luis Felipe de Jesus Barreto Araújo é advogado e professor, especialista em Direito Público e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente e autor de livros jurídicos.

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