O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, fez comentários críticos ao isolamento social, segundo publicou o jornal Folha de São Paulo. Em mensagem em um grupo de WhatsApp, que vazou nesta quarta-feira 25, Novaes disse que a vida não tem “valor infinito”. “Muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida tem valor infinito. O vírus tem que ser balanceado com a atividade econômica”, afirmou o executivo no aplicativo de mensagens.
A infeliz e desastrosa declaração do economista neoliberal que comanda o terceiro maior banco brasileiro, que somente no terceiro trimestre de 2018 teve lucro de R$ 3,4 bilhões, levanta sérias e importantes questões: a vida de quem não tem valor infinito? A da população que vive em submoradias, sem água encanada, esgoto, que viaja apertada em transporte público e enfrenta longas filas para ser atendida no sistema de saúde?
Em 2017 o IBGE apontou que, no Brasil, os 10% mais ricos ganham cerca de 17,6 vezes mais que os 40% mais pobres. Em Aracaju, o rendimento médio percapita domiciliar dos 10% mais ricos naquele ano foi de R$ 6.350,00 contra R$ 327,00 dos 40% mais pobres. Na capital paulista a diferença era de R$ 13.311,00 para os mais 10% ricos contra R$ 592,00 para os 40% mais pobres. São estes que devem morrer para manter a roda da economia girando? O estudo “A Escalada da Desigualdade” da FGV publicado em agosto de 2019 mostrou que a desigualdade social aumenta há mais de cinco anos no país. São 17 trimestres consecutivos de aprofundamento do abismo de condições socioeconômicas. O período mais longo de alta na concentração de renda dos brasileiros já contabilizado. De toda a renda do país, 40% estão concentrados nas mãos de 10% da população.
Se “o vírus tem de ser balanceado com a atividade econômica” como disse o presidente do Banco do Brasil, é porque a vida dos pobres não deve atrapalhar a vida dos ricos? Afinal de contas, como ironizou o colunista do UOL Reinaldo Azevedo, “como existem aos muitos milhões, pobres não faltarão para a ‘atividade econômica’, ainda que muitos morram, certo?”
A relativização do valor da vida também foi tema de vídeo publicado no Instagram do empresário paranaense Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, que vendeu 22,3% de participação do negócio ao fundo norte-americano Carlyle por R$ 700 milhões em 2018. No vídeo ele discorda do regime de confinamento da população brasileira por causa da pandemia de COVID-19. O empresário afirmou que o número de mortes causadas pela doença não será tão grave quanto o de desempregos e que inevitavelmente devem morrer milhares de pessoas com a nova doença e que “não podemos [parar] por conta de 5 ou 7 mil pessoas que vão morrer”. Então, 5 ou 7 mil pessoas mortas valem o sacrifício por conta da economia?
Se o valor da vida não é infinito, ela só valeria por um tempo limitado? Que tempo seria esse? Quem definiria o tempo de vida útil do ser humano? O empresário que faz uso da mão de obra do assalariado? Seriam os idosos então as vidas que não tem tanto valor assim e que podem ser descartadas? O presidente Jair Bolsonaro passou a defender o isolamento apenas de idosos e de grupos de risco. Economistas e investidores falam em aplicar o modelo sul-coreano de retiro parcial e testes massivos. Em entrevista a Deutsche Welle, emissora de rádio internacional da Alemanha, o professor titular de epidemiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Medronho discordou: “é impraticável, teríamos que colocar os idosos separados das famílias, em hotéis, em qualquer opção desse tipo. Se o idoso ficar apenas sem sair de casa, vai ser contaminado pela família”. Para o ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fiocruz José Gomes Temporão, que esteve à frente do combate à H1N1, esta medida não é viável para o contexto brasileiro: “como você faz uma quarentena isolando só idosos no Brasil? Nossos idosos moram com a família, com crianças e jovens. O presidente da República, para estarrecimento de todos que prezam pela ciência, falou em reabrir escolas. As crianças vão contrair o vírus na escola e vão levar para dentro de casa para contaminar os idosos”.
O Brasil tem 4,3 milhões de idosos vivendo sozinhos; O coronavírus mudou a rotina e impôs desafios ao grupo de risco da Covid-19. Em Sergipe, são 45.176 idosos vivendo sozinhos segundo a PNAD/IBGE 2019. Pessoas com mais de 65 anos que enfrentam dificuldades para seguir a rotina com isolamento social e contam com ajuda de familiares, vizinhos e amigos. Estas vidas importam menos? Seu valor não é infinito ou absoluto?
Rudolfo Eucken, Prêmio Nobel de Literatura de 1908, sintetizou uma nova realidade a ser examinada pela humanidade que reflete a realidade atual: “o esvaziamento espiritual das vidas humanas, no milênio da ciência e da tecnologia, conduziu o ser humano a um materialismo exagerado; os prazeres do consumismo inibiram os voos do Espírito, fixando as pessoas na superfície material do planeta. O homem perde seus valores espirituais, na medida contrária em que desenvolve, de forma extraordinária, a tecnologia, que propicia nossa libertação das forças gravitacionais que nos mantêm prisioneiros na superfície do planeta, mas não foi capaz – em razão do conhecimento – de nos emancipar espiritualmente. Adquirimos capacidade de nos comunicar e nos deslocar nos espaços geográficos que nos separam materialmente, no entanto, estamos cada vez mais distantes e alheios à vida do próximo”.
A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) e o Instituto Justiça Fiscal (IJF) propõem tributar os super-ricos para arrecadar R$ 272 bilhões para serem usados contra a crise econômica aprofundada pela crise de saúde pública produzida pelo coronavírus.
“O Brasil tem 206 bilionários. É justo que essas pessoas também contribuam com esse momento grave que vivemos, pois elas detêm um patrimônio superior a R$ 1,2 trilhão”, diz José Antônio Machado Reguffe, jornalista, economista, Senador do Podemos-DF, que propõe o recolhimento do IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) dos brasileiros que têm fortuna maior que 50 mil salários mínimos (R$ 52,25 milhões) com destinação de 50% para o Sistema Único de Saúde (SUS) e 50% para um fundo social destinado à população mais pobre. Estarão os mais ricos dispostos a ajudar os mais pobres, ou suas vidas, não importam como declaram alguns?
O direito à vida é uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, caput da Constituição Federal Brasileira. Ela garante proteção à vida e trata-se de um direito inviolável de permanecer vivo e ter uma existência digna. Viver é o primeiro de todos os direitos naturais do homem. Ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante nem de fazer o que quer que possa para comprometer-lhe a existência corporal. Políticos, empresários e bilionários não tem o direito de relativizar o valor da vida, ao contrário, eles deveriam respeitar, defender, amar e servir à vida. Este o caminho para a justiça, o progresso, a liberdade, a paz e a felicidade. De todos, pois toda a vida importa.
A solução para o desafio que a pandemia do coronavírus impõe a humanidade não será fácil ou rápida e exigirá equilíbrio entre diversos interesses, necessidades e pontos de vista. É necessário planejamento, sacrifício e desapego e acima de tudo solidariedade e compaixão, principalmente dos mais ricos e poderosos, num esforço conjunto que, se alcançado, permitirá a humanidade crescer para edificar uma nova civilização, voltada para a Verdade e para o Amor.
Àqueles que tem mais e insistem em continuar sendo egoístas, avarentos e alheios ao sofrimento dos oprimidos fica o recado do Mestre dos Mestres, Jesus de Nazaré: “mas, ai de vós, ricos! que tendes no mundo a vossa consolação. – Ai de vós que estais saciados, porque tereis fome. – Ai de vós que agora rides, porque sereis constrangidos a gemer e a chorar”.
Murilo Lima é analista comportamental, coach e especialista em gestão de empresas e empreendedorismo. Possui também formações em desenvolvimento de líderes, desenvolvimento estratégico e gestão da criatividade e inovação. Atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju e mentor voluntário da ONG Projeto Gauss. Desde 2012, conduz processos de desenvolvimento pessoal e profissional para empresários, líderes e jovens promissores, visando a expansão de competências, incremento de resultados e aprimoramento do ser.
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