O projeto do ministro Sérgio Moro para endurecimento da legislação contra a corrupção e a criminalidade violenta e organizada abriu amplo debate no meio jurídico. Procuradores, delegados de polícia, advogados criminalistas e constitucionalistas defendem e criticam o texto do ex-juiz federal da Lava Jato.
Bandeira do presidente Jair Bolsonaro, a possibilidade de redução ou isenção de pena de policiais que causarem morte durante sua atividade. A iniciativa é duramente criticada por advogados criminalistas.
Juízes e procuradores da República exaltaram as medidas de combate à corrupção presentes no pacote de Moro. Segundo Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, o projeto “é bastante positivo para a sociedade e contempla diversos pontos defendidos há alguns anos pela Ajufe, como a prisão de condenados após o julgamento de segundo grau”.
“Prova disso é o PLS número 402/2015, em discussão no Congresso, de iniciativa da associação. No caso da “plea bargain”, entendemos que a proposta necessita de ajustes e, por isso, fazemos questão de contribuir com sugestões ao texto da medida. O whistleblower também é uma proposta já defendida pela Ajufe e debatida no âmbito da ENCLA. Mas, de modo geral, o projeto formulado pelo Ministério da Justiça é essencial para tornar mais efetivo o processo penal, em sintonia com a agenda de combate à impunidade”, afirma.
O delegado da Polícia Federal Milton Fornazari Jr. disse que as medidas são “excelentes para modernizar o processo penal, aumentar sua eficácia no combate a crimes graves e evitar a impunidade decorrente da protelação indevida do processo”.
O procurador regional da República Vladimir Aras ressalta que “aperfeiçoar o banco de dados balísticos também é uma das propostas do projeto da Lei Moro”. “É meio muito útil de identificar armas usadas em crimes e ligá-las aos seus autores. Ou para ligar um crime a outro, quando praticado com a mesma arma. De novo, o foco no papel dos peritos”.
“Excelente avanço será, finalmente, a criação e regulação de equipes conjuntas de investigação (ECI), conhecidas por “joint investigation teams”(JIT), para a cooperação internacional na persecução de crimes graves. Será um salto na cooperação probatória com outros países”, ressalta
Aras ainda vê outro ponto “inusitado”. “O projeto lista organizações criminosas pelos nomes: PCC, CV, FDN, TCP e ADA. Essa técnica legislativa não é comum no Brasil. Se aprovado, o texto será o novo inciso III do §1º do art. 1º da Lei 12.850/2013. Inspira-se no CP italiano: art. 416-bis”, avalia, em sua conta no Twitter.
No entanto, para Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criminalista e defensor de políticos como Paulo Maluf (PP), Romero Jucá (MDB), Zezé Perrella (MDB) e Edison Lobão (MDB), entre outros, o projeto “é absolutamente frustante”. “Um pacote só com uma promessa de recrudescimento da legislação penal.”
“É castrador de uma série de direitos consolidados ao longo de séculos com lampejos humanistas. Se este projeto passa, o que teremos é um aumento considerável na população carcerária e, como efeito óbvio, um enorme número de novos membros a serem recrutados pelo crime organizado e pelas organizações criminosas.”
“Sem contar o aumento do número de pessoas pobres, nas periferias, que serão ainda mais “abatidas” sob o manto da legalidade. Nenhuma preocupação com discutir uma política criminal e penitenciária. Resta-nos o Congresso Nacional”, diz Kakay.
Para o advogado coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe – Conselho Estadual de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, a proposta “legitima execuções e extermínios praticados por policiais. Uma verdadeira lei do abate de jovens pobres”. “Policiais poderão matar a vontade, justificando que suas vítimas estavam em “atitude suspeita”. Adolescentes e jovens negros serão as principais vítimas, como já ocorre atualmente, mas em proporções ainda maiores”.
“O medo, surpresa e a violenta emoção, segundo a proposta, servirão para atenuar ou excluir a responsabilização penal de policiais assassinos. Risco iminente de conflito armado também servirá como alegação de legítima defesa. E ainda, os policiais responderão aos inquéritos e processos em liberdade, e poderão então ameaçar testemunhas e cometer outros assassinatos”, alerta.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro afirmou ver “com preocupação”. “Diversas medidas violam frontalmente os princípios constitucionais da presunção de inocência, da individualização da pena e do devido processo legal, como por exemplo a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, o acordo penal e a ampliação da subjetividade judicial na aplicação das penas e de seus regimes de cumprimento”.
“Um projeto que se propõe a aumentar a eficiência do sistema de Justiça não pode enfraquecer o legitimo e regular exercício do direito de defesa, nem esvaziar garantias fundamentais. É dever das Instituições a preservação de tais pilares do Estado Democrático de Direito”, diz.
Segundo a Defensoria Pública do Rio, “defensores públicos estão debruçados sobre o texto com o objetivo de elaborar Nota Técnica a ser divulgada nos próximos dias”. “O documento pretende contribuir com os imprescindíveis debates que devem anteceder a aprovação de reformas que não podem ser apreciadas de afogadilho, sobretudo quando impactam de modo estrutural na legislação penal e processual penal do País”.
Já o procurador da República de Goiás, Hélio Telho, que toca desmembramentos da Operação Lava Jato no Estado, como o escândalo de corrupção na Valec, afirma que “o projeto Moro amplia as hipóteses de legítima defesa”. “Apenas deixa expressas na lei situações que hoje estão sujeitas a interpretação judicial (iminência de conflito armado). O policial não precisará esperar o bandido sacar ou atirar primeiro. Bastará que haja o risco de fazê-lo”, disse, em seu Twitter.
Por Luiz Vassallo, Marina Dayrell e Paulo Roberto Netto/Terra
Foto: Mateus Bonomi/Agif / Estadão Conteúdo