“Psicopatia não é para quem quer, é para quem pode”, costumava nos dizer o professor de psicologia forense da Acadepol/SE, José Aloysio Couto Rezende. Mesmo não sendo uma autoridade no assunto, eu sempre afirmei a pessoas próximas que desconfiava que Sérgio Moro tinha leves traços de psicopatia – nada que o aproxime de um Hanibal Lecter, mas o suficiente para que exerça sua função com notável obsessão e destemor.
Alguns olhavam para mim espantados, pois sabiam da minha admiração pelo magistrado e da concordância com o trabalho que realizava à frente da 13a Vara Federal de Curitiba. A esses eu explicava que a psicopatia é um padrão comportamental com diferentes graus, sendo caracterizada pela ausência de remorso, baixa empatia, atitude de dominância, narcisismo, antissociabilidade, etc.
Os estudiosos afirmam que muitos psicopatas canalizam essa ausência de medo e remorso (aquela frieza que assusta e impressiona) para funções socialmente aceitáveis. Daí a predileção de pessoas com traços psicopatas por algumas carreiras ou profissões, como CEO, advogado, jornalista, policial, cirurgião, membro do clero e, pasmem, funcionário público.
No livro “The Winsdom of Psichopaths”, o pesquisador Kevin Dutton analisa essa questão de forma bastante aprofundada. Em nosso Curso de Formação de Delegado de Polícia Civil, realizado em 2001, na Academia de Polícia Civil de Sergipe, o doutor Aloysio Rezende discorria com entusiasmo sobre esse tema. Tempos depois, sabendo do meu interesse científico pelo assunto, ele me indicou uma ampla bibliografia voltada para o público leigo, com dois títulos escritos por Ilana Casoy (Serial Killer, Louco ou Cruel e Serial Killer Made in Brazil). Desde então tenho lido artigos e assistido a documentários e séries que abordam a questão. Entender como funciona a mente de um psicopata, e, mais do que isso, saber identificá-los entre nós, seja no escritório, na delegacia, no fórum, na faculdade, na favela, no senado ou no primeiro escalão do governo, é fundamental para a nossa sobrevivência.
Portanto, quando Moro diz que “há lealdades maiores do que as pessoais”, ele não está simplesmente justificando o fato de que, no caso presente, a lealdade à pátria deve prevalecer sobre a lealdade ao presidente. A bem da verdade, ele está transmitindo a seguinte mensagem: “Não temos mais anestesia, mas, como um cirurgião comprometido, eu vou extirpar esse tecido necrosado antes que o organismo inteiro entre em colapso, pouco importa se você chore, grite ou esperneie”.
Tentar entender a mente de um psicopata pelo prisma ético, jurídico, político ou, pior ainda, ideológico é um exercício inútil. Da mesma forma, nosso julgamento em nada mudará a sua natureza. Eles estão entre nós, com seu sorriso contido e seus gestos calculados, dispostos a cumprir sua missão até o fim. Heróis ou vilões? Isso vai depender inteiramente de nossos interesses e expectativas, algo que para eles é absolutamente irrelevante.
Paulo Márcio é delegado de Polícia Civil em Sergipe e ex-presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol).
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