Em dezembro de 2003, cumprindo determinações do então presidente Lula e do seu ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, a cúpula do PT expulsou sumariamente a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados federais Babá (PA), João Fontes (SE) e Luciana Genro (RS), sob a acusação de infidelidade – traduzida em ações como a votação contra projetos de interesse do governo, dentre os quais a reforma da Previdência, que pôs fim à integralidade da aposentadoria dos servidores públicos e tornou obrigatória a contribuição previdenciária para servidores já aposentados.
Fiando-se na falta de memória do eleitor brasileiro, atualmente o PT arvora-se na condição de defensor dos contribuintes, demoniza as mudanças na previdência operadas no governo Bolsonaro e, em estados como Sergipe, de cujo governo faz parte, ameaça não apoiar aquilo que alguns vêm chamando eufemisticamente de adaptação da reforma da previdência federal à realidade estadual.
Diante desse contrassenso, é de se perguntar: qual dos dois PTs está com a razão? Aquele de 2003, que expulsou os parlamentares “radicais”, ou o de hoje, que coloca-se radicalmente contra as mudanças previdenciárias nos planos federal e estadual?
Obviamente que esta é uma pergunta retórica. A resposta já é de todos conhecida: tal qual os antigos papas, o PT goza de um status de infalibilidade, não sendo legítimo a ninguém questionar os seus atos, sempre e invariavelmente permeados dos mais altos interesses republicanos.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos inferir que os deputados do PT se absterão ou votarão contra a reforma da Previdência a ser encaminhada pelo governador Belivaldo Chagas às vésperas do Natal. Afinal de contas, servidor público é um bicho só, não importa se da espécie federal, estadual ou municipal.
Como espécimes da fauna estadual – igualmente ameaçados de extinção – talvez devamos agradecer ao PT de hoje pela luta em favor dos nossos direitos animais, digo, previdenciários, sobretudo quando a oposição, liderada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania), não só manifesta apoio prévio à medida como coloca os técnicos do seu gabinete à disposição do Executivo Estadual para que a reforma saia melhor do que a encomenda.
É comovente todo esse esforço em favor das finanças públicas, mesmo que a paleta de alíquotas, tal qual a matriz federal, possa chegar aos 22% – um verdadeiro confisco dos salários e subsídios, levando-se em conta que o imposto de renda e a contribuição sindical ou associativa, somados, beiram os 30% de desconto.
Todavia, mesmo não obtendo a reposição das perdas inflacionárias dos últimos 6 anos, mesmo recebendo os salários de forma impontual desde 2014, mesmo obrigados a receber o 13° em parcelas a perder de vista, os servidores públicos estaduais temos consciência de que alguma mudança na previdência há de ser feita, pois o cenário não é dos mais alvissareiros.
Mas como aceitar o sacrifício imposto pela iminente mudança no regime previdenciário quando o próprio Governo nos apunhala pelas costas, encaminhando à Assembleia Legislativa o projeto convertido na Lei Complementar n° 333/2019, que, sob o pretexto de converter em pecúnia a licença-prêmio dos servidores e membros do Tribunal de Contas do Estado, está patrocinando uma farra com o dinheiro do contribuinte?
Aumentar a alíquota previdenciária e a idade mínima para a aposentadoria do servidor comum, ao mesmo tempo em que autoriza a concessão de indenizações milionárias a conselheiros do TCE, é um acinte, um descalabro, um desrespeito, uma fanfarronice típica de governos moribundos e desconectados da realidade.
O Estado está falido não por culpa do servidor, mas em razão da inapetência dos últimos gestores, dos sucessivos saques que quebraram a previdência, dos contratos emergenciais que não param de brotar no Diário Oficial, dos milhões e milhões pagos todos os anos a título de jetom, das gordas indenizações concedidas aos donos do poder – sempre eles!
Se em um Estado tido como falido os donos do poder, com o beneplácito do governador de plantão, agem de maneira tão egoísta e vergonhosa, dá para imaginar o que eles farão no dia em que estivemos com as contas saneadas, ainda que às custas dos milhares de barnabés.
Paulo Márcio Ramos Cruz é delegado da Polícia Civil de Sergipe, ex-presidente da Adepol/SE e segundo vice-presidente Jurídico da Adepol do Brasil. Atualmente está lotado na Central de Flagrantes de Aracaju.
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