Presidência dos Correios dá pedalada para driblar prejuízo de 1 bi, enquanto agências ‘piratas’ lucram usando estrutura da estatal

O imbróglio do prejuízo dos Correios, orçado em quase 1 bilhão, apenas no primeiro trimestre deste ano de 2024, está longe de acabar.

“Essa história dessa nota emitida pelos Correios desmentindo que o balancete econômico da empresa não está sob sigilo para esconder o prejuízo é pra tirar a atenção do fluxo de caixa [da empresa]”, argumenta, sob anonimato, uma das fontes ouvidas pelo portal Mais Brasília. E continua: “Fabiano [presidente da estatal] recebeu os Correios com R$ 4,5 bi. Hoje o caixa está em R$ 1,8 bi. Ele fala que está saudável porque ainda tem R$ 1,8 bi em caixa. Mas esse valor está caindo consideravelmente. Estamos perdendo cerca de R$ 200 milhões mês. Até o final do ano, o dinheiro acaba”.

Ainda segundo a fonte do MB, um dos pontos principais diretamente ligado ao prejuízo da estatal é a manutenção – dentro dos Correios, utilizando a logística dos Correios – de serviços concorrentes de empresas privadas. Essas empresas são chamadas de intermediárias, ou atravessadoras, e realizam vendas de fretes, utilizando toda a estrutura dos Correios. Algumas, até o final de novembro do ano passado (2023), utilizavam cores e logotipos dos próprios Correios.

A coisa é tão séria que, nessa última quarta-feira (29/5), a Associação Brasileira de Franquias Postais (ABRAPOST), em uma carta ao senhor Hudson Antunes Morato, que é Gerente Corporativa de Gestão Estratégica dos Canais Físicos dos Correios, questionou a atuação dos Correios com essas tais empresas atravessadoras ou intermediárias.

Apelidadas de agências ‘piratas’

Apelidadas de “piratas” entre funcionários da estatal, os atravessadores realizam os mesmo serviços dos Correios, mas oferecem um preço bem abaixo da tabela da estatal. Exemplificando: o valor de uma entrega pelo Sedex pelos Correios sai em torno de R$ 30. Porém, fazendo-se a mesma entrega por meio de uma atravessadora, uma ‘pirata’, o valor cai para R$ 18.

Exemplo?

O Setor de Encomendas dos Correios, onde empresas privadas trabalham como atravessadoras. 

“Isso está ligado diretamente ao prejuízo dos Correios”, ressaltou a fonte do Mais Brasília.

O negócio é lucrativo porque as empresas intermediadoras têm uma tabela especial de preços para postagens, por força de contrato, já que operam com grandes volumes – casos das operadoras de e-commerce, por exemplo.

Quando o cliente traz um volume maior de encomendas, conforme as regras do mercado, os Correios utilizam tabela com tarifas escalonadas, cujos valores vão decaindo. Os intermediadores vendem e repassam essas tarifas menores para representantes de pequenos negócios e empreendedores, que utilizam a rede de serviços com menor custo. Os intermediadores, então, ficam com um percentual do preço das postagens.

Para se ter uma ideia de como lucram as ‘piratas’, no Demonstrativos de Resultados dos Correios de 2023/2022 há mais de 1 bi de diferença no segmento de encomendas de 2023/2022, dados que explicam a queda receita da estatal em contrapartida ao lucro das ‘piratas’. Ao passo que, o segmento internacional cresceu mais de R$ 800 milhões.

Atualmente, existem mais de mil lojas dessas empresas ‘piratas’, fato que, segundo a fonte ouvida pelo Mais Brasília, aumentou consideravelmente em 2023.

Segundo a ABRAPOST, “a percepção de mercado dos Correios tem se mostrado distinta da rede franqueada, uma vez que a ECT, nos últimos anos, tem considerado as empresas que atuam apenas como intermediadoras e atravessadoras de frete (vendendo SEDEX e PAC em suas plataformas e balcões) como clientes (…). Na percepção da rede franqueada, estes intermediadores são, na realidade, concorrentes.”

A ABRAPOST é uma associação renomada de mais de 30 anos, composta por lojas franqueadas, que participaram de licitações e não trabalham como as conhecidas ‘piratas’ trabalham.

Uma dessas atravessadoras ou ‘pirata’ é a Onlog, estruturada como holding justamente após a entrada do novo gestor, em 2023.

Ex-dirigentes dos Correios

A Onlog tem entre seus prestadores de serviços e consultores dois ex-dirigentes dos Correios: José Carlos Rocha Lima, presidente da estatal entre 1990 e 1993, e José Furian Filho, diretor regional da estatal em São Paulo, entre 2008 a 2010, e diretor-comercial em Brasília e vice-presidente de Negócios, Logística e Negócios Públicos, de 2011 a 2019.

Rocha Lima é um dos que foi chamado a depor na CPI dos Correios, em 2005, segundo publicizado pela mídia à época, por suspeita de receber R$ 50 mil de uma empresa que teria feito acordo para vencer uma licitação da estatal.

“Para se ter uma ideia de como funciona o esquema, as atravessadoras cobram R$ 18 de um consumidor para fazer uma entrega de um Sedex e utilizam toda a logística dos Correios, e, para que a logística seja utilizada, a atravessadora paga um valor em torno de R$ 6 para os Correios. E o restante do dinheiro, que veio dos R$ 18?  O restante fica para a atravessadora. Esse esquema aumentou com a entrada de Fabiano na gestão. Se os Correios dão tarifas reduzidas para essas piratas, porque não dar esse preço reduzido para o consumidor?”.

Infringindo leis?

Os Correios são uma empresa 100% pública. Ou seja, para se negociar com uma empresa totalmente estatal como os Correios, é necessário haver licitação. Portanto, nestas negociatas entre os Correios e as atravessadoras, estão sendo infringidas duas leis: a Lei das Licitações e a Lei de Franquia Postal.

Por ser uma empresa pública, os Correios não podem ter lojas ‘piradas’ e nem franquias com divergência ou carnificinas de valores; por isso existe uma lei regulamentando, a Lei da Franquia Postal, para dizer como se configura a franquia, até para que a franquia não engula o franquiador, no futuro. E, para ter uma franquia postal dos Correios, existe todo um regulamento. Para comercializar produtos oficiais dos Correios, somente por meio de franquia postal.

Os contratos de franquia postal celebrados pela ECT são regidos por esta Lei e, subsidiariamente, pelas Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 8.955, de 15 de dezembro de 1994, e 8.666, de 21 de junho de 1993, utilizando-se o critério de julgamento previsto no inciso IV do caput do art. 15 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

“Essas lojas piratas tem contratos com os Correios de clientes. Eles vão sim dizer que tudo isso está legalizado. Mas não está, os contratos dessas lojas atravessadoras são contratos de clientes”, explica a fonte do MB.

Imóveis públicos como garantia

Em tentativa de driblar o prejuízo e conter o escândalo, o atual presidente da instituição teria, segundo fonte do Mais Brasília, “conseguido a liberação de um empréstimo de mais de R$ 4 bilhões, dando como garantia os imóveis dos Correios.”

Sem tocar em uma possível crise de imagem, a informação sobre o empréstimo partiu do próprio presidente da instituição e foi divulgada pela imprensa em março deste ano. O dinheiro sairá do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), também conhecido como Banco do Brics, comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Os recursos já foram autorizados pela Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) do Ministério do Planejamento. As autorizações foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU), mas as operações precisam ser aprovadas pelo Senado para contarem com garantias da União.

Pedalada 

Em um dos documentos encaminhados ao portal Mais Brasília nessa última quinta-feira (30/5), ano passado, 2023, o presidente dos Correios fez uma manobra conhecida popularmente por “pedalada”, quando um gestor dribla o financeiro.

“Ele manobrou o status dos processos judiciais no final do ano passado para não comprometer o balanço. E os Correios vão ter que pagar tudo esse ano [2024]. Ele fez uma pedalada fiscal no resultado do ano passado. Prejuízo operacional foi de R$ 1,5 bi. Mas o contábil eles derrubaram pra R$ 600 milhões”, explica uma das fontes ouvidas, sob anonimato, pela reportagem.

Correios gastam R$ 6 mi para patrocinar Lollapalooza 2024, enquanto enfrenta prejuízo de quase 1 bi

Mesmo com o prejuízo de quase 1 bi neste primeiro trimestre de 2024, os Correios gastaram R$ 6 milhões para patrocinar o Festival Lollapalooza, que aconteceu entre os dias 22, 23 e 24 de março deste ano, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Na ATA PÚBLICA da empresa estatal, os itens 3 e 4 – que definem os patrocínios – estão sob sigilo.

Inicialmente, a verba para o festival estava orçada em R$ 2 milhões. Mas o valor final gasto pela empresa estatal foi de R$ 6 milhões. Além do aumento do montante final, dois outros pontos divergentes sinalizados pela fonte do Mais Brasília, são eles: a lista de convidados VIP para o Festival Lollapalooza em que estariam políticos e amigos do atual presidente dos Correios e o porquê a estatal está patrocinando eventos sem divulgar contrapartida e/ou sem vínculos diretos com os produtos da empresa.

“Os patrocínios dos Correios. Estão todos restritos. Ninguém sabe como está ocorrendo. Todos estão internamente falando sobre isso. Quem recebeu os convites? Presidente Fabiano distribuiu para seus amigos e políticos. Como se deu esse patrocínio? Porque saiu de R$ 2 milhões e terminou em R$ 6 milhões? Como que a empresa está no prejuízo e o Presidente dos Correios está patrocinando tudo quando é de evento que não tem nada haver com o negócio da empresa? E sem contra partida!”.

Os valores dos ingressos para o festival foram de R$ 500 (1º lote – meia entrada) a R$ 2.250 (Lolla Lounge Day by Vivo). Já os pacotes para os três dias variaram de R$ 1.300 (3º lote – meia-entrada) e R$ 5.450 (3º lote – Lolla Lounge Pass by Vivo).

O festival ocupou 600 mil metros quadrados do Autódromo de Interlagos em São Paulo, onde foram montados quatro palcos com música, arte, gastronomia, moda. Uma roda gigante, pontos para fotografias, brindes, serviços, áreas de descanso também foram instalados no local. Para conseguir alimentar o público todo do almoço até o jantar, o festival contou com uma área especial de alimentação onde era possível encontrar pizza, hambúrguer, sorvetes, sobremesas, comida vegana. Também havia diversos foodtrucks e vários pontos de alimentação distribuídos ao redor do festival. Além disso, áreas de descanso foram distribuídas pelo autódromo com redes, balanços, cadeiras e áreas de sombra.

Veja, na íntegra, os trechos da Ata Pública dos itens 3 e 4 que falam sobre os patrocínios dos Correios:

3. Andamento dos projetos de patrocínios previstos no Plano Anual de Comunicação – PAC/2023 e dos projetos selecionados por meio da modalidade Escolha Direta, por decisão da empresa, e baixa da S010/2023 – DIREX – (Comunicação nº 48815638/2024 – COLEGIADOS-DIGOE). As informações da comunicação estão classificadas como de acesso restrito. A Diretora de Governança Colegiados: Ata Reunião 14ª RODE 30/04/2024 (48788193) SEI 53180.001158/2024-78 / pg. 1 e Estratégia, apresenta o andamento dos projetos de patrocínios previstos no Plano Anual de Comunicação – PAC/2023 e dos projetos selecionados por meio da modalidade Escolha Direta, por decisão da empresa. Por ocasião da apresentação, registra-se a baixa da solicitação Nº S010/2023-DIREX, consignada na ata da 19ª RODE/2023, realizada em 30/05/2023, referente comunicação bimestral acerca do andamento dos projetos patrocinados pelos Correios.

4. Andamento dos projetos de patrocínios previstos no Plano Anual de Comunicação – PAC/2024 e dos projetos selecionados por meio da modalidade Escolha Direta, por decisão da empresa – Posição 18/04/2024 – (Comunicação nº 48815614/2024 – COLEGIADOS-DIGOE). As informações da comunicação estão classificadas como de acesso restrito.

Pergunte aos Correios, diz atendimento de Fun Festival de Brasília sobre patrocínio

Outro evento patrocinado pelos Correios que segue em sigilo no balancete econômico da instituição é o Fun Festival de Brasília. Com o mesmo modus operandi, de manter os patrocínios em acesso restrito (vide itens 3 e 4 da ATA PÚBLICA da instituição), os Correios não divulgam quanto gastaram no festival de Brasília. 

“Estão colocando em sigilo e restrito para não haver questionamentos. Isso nunca aconteceu”, ressalta fonte do MB.

O Mais Brasília entrou em contato com a organização do festival. Acerca do patrocínio, o setor de atendimento limitou-se a dizer:  “Sobre essas informações você pode entrar em contato com os Correios”.

Perseguição aos trabalhaores

Paralelamente aos escândalos acerca de sigilo dos dados econômicos, de dribles em crises, a atual gestão dos Correios é acusada, por funcionários e sindicalistas, de perseguição.

“Vários casos de assédios e perseguições. Pior que no Governo Bolsonaro. Tínhamos um general na presidência que perseguia também! Mas o Fabiano é bem pior que o General!”, acrescentou a fonte do MB.

“Companheiro Lula, não deixe acontecer essas maldades contra trabalhadores dos Correios”, pede deputado Vicentinho

As palavras acima são exemplificadas ainda por vídeo, gravado na Câmara dos Deputados e veiculado no último mês de março nas redes sociais pelo deputado federal Vicentinho (PT), em que o parlamentar conta o caso de Bolinha, um trabalhador antigo da instituição e dirigente sindical. No vídeo, o deputado Vicentinho diz que tentou, em vão, dialogar com a presidência dos Correios para evitar a perseguição a Bolinha.

Bolinha atualmente mora em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Com 51 anos, Bolinha entrou nos Correios no dia 10 de janeiro de 1997 e, neste 2024, completou 28 anos de Casa. Trabalhou anos como carteiro na década de 90, quando entrou na instituição. Chegou a função de carteiro devido à um caso de artrose. Recentemente, ele foi exonerado de uma das funções; a de Assessor na Diretoria de Recursos Humanos.

Leia abaixo o discurso de Vicentinho, na Câmara, que circulou nas redes sociais:

“Este companheiro Bolinha, que é Paulo Teixeira, por ter transmitido e manifestado opiniões contra o genocídio na Faixa de Gaza, denunciando a postura do Estado de Israel, fora de seu expediente, repercutindo a posição de nosso governo do presidente Lula, de nós do Partido dos Trabalhadores, manifestada aqui várias vezes essas posições, ele foi perseguido por isso, ele tinha um cargo em Brasília e foi mandado para o interior, em uma primeira punição. Depois, senhor presidente, estranhamente, por causa disso, ele foi levado à um conselho de ética, algo parecido, uma organização interna, e este conselho viu que não tinha cabimento aquilo, que o companheiro Bolinha tinha o direito de manifestar sua opinião política, porque ele é um cidadão, então este conselho retirou essa denúncia. Estou a vida inteira na luta dos trabalhadores e este companheiro recebeu uma informação de que ele está sendo exonerado. Ele foi tão perseguido que ele perdeu a memória em um determinado momento diante desse fato. Olha, se fosse um general, se fosse um grupo bolsonarista, mais no nosso governo, pelo amor de Deus, não pode acontecer. Eu quero pedir aos companheiros dos Correios que me mandem mais informações. Olha só, não é porque hoje os Correios, estamos no poder, que nós vamos permitir que chefias obtusas, que líderes persigam por companheiros que estão lutando por direitos. E eu quero dizer, Bolinha é um militante histórico reconhecido facilmente por todos nós, companheiro Bolinha, você é um exemplo de dignidade e de ética. E por esse motivo, eu quero fazer um apelo ao presidente Lula: Companheiro Lula, não deixe acontecer essas maldades contra trabalhadores dos Correios, que merecem respeito. Presidente Lula, interfira. Não é possível. E alguém pode perguntar: Vicentinho, mas porque você não falou com o presidente dos Correios? Já pedi, que profunda decepção, parece que esta vingança vem lá de cima, me parece que vem do presidente dos Correios”. Este assédio torturante sofrido pelo Bolinha, tem problema chama, senta, acerta. Mas não podemos agir com perseguição”.

Resposta dos Correios

No início da tarde desta sexta-feira (31), às 12h10, a reportagem do Mais Brasília procurou a assessoria de imprensa dos Correios, solicitando resposta para cinco questionamentos. A reportagem solicitou o fluxo de caixa atual dos Correios, quanto a estatal deixou em caixa no final do Governo Bolsonaro, se o Governo Bolsonaro entregou os Correios com lucro ou prejuízo.

A reportagem também questionou acerca de patrocínios, o que os Correios patrocinam e quais seriam as contrapartidas para estes patrocínios. Outro questionamento foi acerca das empresas atravessadoras, as chamadas ‘piratas’ e como é esta relação e esta negociação, já que os Correios são uma empresa 100% pública.

Até o fechamento desta reportagem, os Correios não conseguiram responder nenhum dos questionamentos. Limitaram-se a solicitar um prazo maior para a entrega das respostas. Vale ressaltar que fluxo de caixa é quanto a empresa tem no caixa hoje, ou seja, é um número.



Por Paula Coutinho/Mais Brasília
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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