Mitos são narrativas utilizadas pelos povos para explicar fatos da realidade ou fenômenos da natureza que geralmente não são compreendidos por eles. Os mitos se utilizam de muita simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis. Todos estes componentes são misturados a fatos reais, características humanas e pessoas que realmente existiram. Um dos objetivos do mito é transmitir conhecimento e explicar fatos que a ciência ainda não havia explicado.
O Nordeste brasileiro é um terreno fértil de Mitos e Crenças, um deles é Antonio Gonçalves da Silva, o popular Poeta Patativa do Assaré, considerado por muitos como um dos principais representantes da arte popular nordestina do século XX. Seu trabalho literário é uma arquitetura alicerçada num palavreado simples, mas profundamente poético, rico, icônico e representativo. Seus versos retratam a vida sofrida e árida do povo sertanejo. Sua obra ganhou projeção nacionalmente com o poema “Triste Partida”, em 1964, musicado e gravado por outro colossal mensageiro da cultura popular, o músico e cantador Luiz Gonzaga. Seus livros foram traduzidos em vários idiomas e são estudados na Sorbonne, na cadeira de Literatura Popular Universal pelo Professor Raymond Cantel e por outros inúmeros brasilianistas.
Patativa do Assaré era de origem muito pobre, nasceu no sítio Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará, foi o segundo dos cinco filhos dos agricultores Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, e com apenas seis anos perdeu a visão do olho direito em consequência do sarampo. Órfão de pai aos oito anos de idade teve que trabalhar no cultivo da terra, ao lado do irmão mais velho, para sustentar a família. Com 13 anos começou a fazer pequenos versos, aos 16 comprou uma viola e logo começou a fazer repentes, motes e musicar seus próprios versos bem como reproduzir tudo que lhe era simpático.
Com o apoio e incentivo do jornalista cearense José Carvalho de Brito, Patativa conseguiu publicar seus textos no jornal Correio do Ceará. O apelido de Patativa surgiu porque suas poesias eram comparadas com a beleza do canto dessa ave nativa da Chapada do Araripe. Ainda muito jovem, Patativa começou a viajar, peregrinando por várias cidades do sertão. Entre 1930 e 1955 permanece na Serra de Santana, onde produz a maior parte de sua poesia, nessa época, passa a declamar seus poemas na Rádio Araripe, quando é descoberto pelo filólogo José Arraes, que o ajuda na publicação de seu primeiro livro, “Inspiração Nordestina” (1956). Mesmo com um linguajar típico falado pelo sertanejo do qual ele não abria mão, a poesia de Patativa do Assaré obteve, pela riqueza de seus versos de cunho social, uma projeção muito importante no cenário cultural.
Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão.
A poesia de Patativa do Assaré traz uma visão crítica da dura realidade social sertaneja, que lhe valeu o título de “Poeta Social”, e mesmo longe dos grandes centros estava sempre atento aos fatos políticos do país, pois a política estava no centro de sua obra. Durante a Ditadura, criticou abertamente os militares e chegou a ser perseguido. Participou da campanha das Diretas Já, e em 1984 publicou o poema “Inleição Direta 84”. Publicou inúmeros folhetos de cordel, viu seus poemas serem publicados em jornais e revistas. Suas poesias foram reunidas em diversos livros, entre eles: “Cantos da Patativa” (1966), “Canta lá Que Eu Canto Cá” (1978), “Aqui Tem Coisa” (1994), entre outros.
Com a produção de Fagner, gravou o LP “Poemas e Canções” (1979). Em 1981 lançou o LP “A Terra é Naturá”. Ao completar 85 anos, Patativa do Assaré foi homenageado com o LP “Patativa do Assaré – 85 Anos de Poesia” (1994), com participação das duplas de repentistas Ivanildo Vila Nova e Geraldo Amâncio e Otacílio Batista e Oliveira de Panelas. Patativa do Assaré, sem audição e totalmente cego desde o final dos anos 90, faleceu em consequência de falência múltipla dos órgãos, em sua casa em Assaré, Ceará, no dia 8 de julho de 2002.
Valter Albano é historiador, radialista, produtor musical, repórter cinematográfico e ativista político.
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