Pagamos muitos impostos em troca de péssimos serviços públicos?

Nos últimos dias, repercutiu o vídeo publicado pelo deputado do PL de Minas Gerais, Nikolas Ferreira, sobre o PIX. O tema principal da publicação já foi amplamente debatido e não é sobre isso que irei tratar. O que me chamou a atenção foi algo que já havia escutado antes e que muitos tomam como verdade absoluta: estou falando da tese de que o Brasil tem uma elevada carga tributária, aplica mal os recursos arrecadados e, por isso, temos serviços públicos ruins. Vejamos exatamente o trecho abordado no vídeo pelo deputado:

“Se fosse para pagar imposto alto igual à Suíça, mas ter o serviço da Suíça de saúde, educação e transporte, ok? Mas o brasileiro paga imposto alto para continuar tendo serviço de saúde, educação e transporte… do Brasil”.

Para conseguirmos analisar melhor esse argumento, vamos começar pela tese de que no Brasil paga-se muito em impostos. De fato, temos uma arrecadação tributária correspondente a cerca de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme dados do Ministério da Fazenda. A média da carga tributária entre os países da União Europeia, por sua vez, equivale a aproximadamente 41%, segundo dados do Eurostat. Na Europa, temos ainda os países escandinavos com suas cargas tributárias ainda mais elevadas, como a Dinamarca, cuja arrecadação equivale a cerca de 48% do PIB – ou seja, quase metade de tudo que se produz em riqueza naquele país, o governo se apropria através de impostos. Observando especificamente a Suíça, conhecida por ser um “paraíso fiscal”, sua taxa média tem ficado entre 27% e 28% do PIB nos últimos anos, inferior à da União Europeia e também à do Brasil. Quando checamos os países da América Latina, a média fica em torno de 22% do PIB, sendo que o Brasil lidera com a maior carga tributária da região, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A partir de uma primeira análise, portanto,  é possível concluir que, de fato, o Brasil possui uma carga tributária considerada elevada, sobretudo quando comparamos a outras nações em desenvolvimento, como os países latino-americanos. Contudo, não tão elevada quanto a média dos países europeus, conhecidos pelos excelentes serviços oferecidos a seus cidadãos. As injustiças do sistema tributário e o desincentivo que ele acaba provocando a novos investimentos e geração de empregos, abordarei em artigos futuros.

Vamos então analisar a segunda parte da argumentação, onde o Deputado reforça que apesar de pagarmos muito em impostos, o país oferece serviços de baixa qualidade. De fato, os serviços públicos no Brasil, a exemplo de saúde, educação e transporte, estão distantes de terem a qualidade que a população precisa, sobretudo quando comparamos com países desenvolvidos. Contudo, aqui as pessoas são levadas a acreditar que o país possui recursos mais do que suficientes para termos serviços de alta qualidade. Para explicar a imprecisão do argumento, precisamos compreender primeiro que, em média, a riqueza produzida por alguns países europeus chega a ser 10 vezes superior à do Brasil. Ou seja, enquanto nosso PIB Percapita é de US$ 9 mil, o da Suiça é de US$ 91 mil. Isso significa que possuímos cargas tributárias percentualmente similares, porém, em valores absolutos, os suíços pagam 10 vez mais impostos que os brasileiros.  Dessa maneira, os suiços possuem um orçamento de impostos disponível para gastos em saúde, educação, moradia e transporte, também 10 vezes maior que os brasileiros.

A grosso modo, é como se enquanto o Brasil possui em nível federal, estadual e municipal cerca de US$ 3 mil por habitante ao ano, para custear todos os gastos públicos, a Suíça possui aproximadamente US$ 30 mil. Sendo assim, não surpreende que os serviços lá sejam melhores. Eles possuem mais recursos financeiros e com isso ofertam melhores serviços. Mesmo que considerássemos ajustes pela Paridade do Poder de Compra (PPC), veremos que existe um verdadeiro abismo entre o orçamento público disponível para serviços aos cidadãos nos dois países.

Portanto, não se pode assumir como verdade absoluta, a tese de que temos serviços ruins, mesmo com arrecadação tributária elevada, sem que façamos antes uma contextualização séria. Do contrário, ficamos no oportunismo da superficialidade. A razão principal para os serviços públicos de baixa qualidade no Brasil é, sobretudo, devido ao fato de sermos um país pobre. Dessa maneira, o valor total arrecadado em impostos, mesmo sendo elevado para o nível de renda da população, não é suficiente para oferecer de maneira digna, todas as conquistas previstas na Constituição de 1988, a exemplo de saúde universal e gratuita, previdência social, educação, moradia, etc. Isso não significa que não haja baixa eficiência no gasto público e desperdícios. O país poderia oferecer serviços bem melhores, mesmo com o atual orçamento. Contudo, sendo bastante sincero, ainda assim, continuariam abaixo do que a população almeja e bem abaixo dos níveis europeus.

Temos serviços públicos do Brasil e continuaremos tendo. Afinal de contas, é aqui que residimos. É da população brasileira que se arrecadam os recursos para ofertar os serviços que atendem a essa mesma população.

O leitor pode se perguntar: então, qual é o problema? A resposta é bastante simples: o Brasil precisa crescer de forma rápida e sustentável para se desenvolver. Nossa economia está praticamente estagnada há 40 anos, com crescimento lento e descontinuado. Enquanto não nos tornarmos um país desenvolvido e com alta renda, continuaremos oferecendo serviços públicos de nação pobre. Nesse sentido, o foco da classe política e da sociedade deveria estar na superação desse desafio – por exemplo, mobilizando todos os cidadãos e os governos em torno da construção e implementação de um Plano Nacional de Desenvolvimento. Essa é a única maneira de superarmos o subdesenvolvimento nas próximas décadas, de uma vez por todas.

Infelizmente, as discussões nas redes sociais acabam ficando na superficialidade, e os reais desafios do país não são abordados. Enfrentar e resolver os graves problemas do Brasil não é tarefas simples e, na maioria das vezes, não traz popularidade ou engajamento. Por isso, nem todo mundo está disposto a pagar o preço e encará-los, sobretudo quando se está pensando nas próximas eleições!


Ademario Alves é economista, mestre em Gestão Empresarial, funcionário do BNB, ex-secretário da Fazenda de Sergipe e ex-diretor do Banese. É diretor de Atração de Investimentos e Relações Internacionais na Desenvolve-SE.


*Este é um artigo pessoal de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Hora News.


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