Os impactos emocionais da impossibilidade da despedida aos mortos pelo coronavírus

A despedida de um ente familiar é algo que geralmente envolve dor emocional.  Em tempos de pandemia, se a pessoa foi vítima da Covid-19, as famílias precisam renunciar ao direito dos ritos de despedida.

Isso porque a vítima de COVID-19, deve ser identificada como agente biológico classe de risco 3, numa escala de quatro níveis, definidos pelo Ministério da Saúde (MS). Para atender às normas de biossegurança, o MS publicou em 25 de março de 2020,  “Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus -Covid 19”, que entre diversas recomendações, diz que os velórios e funerais de pacientes confirmados ou suspeitos da COVID-19 não são recomendados devido à aglomeração de pessoas em ambientes fechados.

Nesse caso, o risco de transmissão também está associado ao contato entre familiares e amigos. A cartilha traz ainda informações sobre os procedimentos de preparação do corpo para enterro ou cremação.

Com uma certa pressa, os rituais são abandonados e o que fica é a realidade, sem muito tempo para comoção ou desapego gradual, ou ainda aceitação progressiva do fato de que perdemos alguém.

“Estamos vivenciando uma morte que está sendo iniciada nos hospitais. Não estamos experienciando o estar doente próximo aos nossos familiares. O fato de não estarmos vivendo o processo nos leva ao entendimento de fracasso por não conseguir estar ao lado daquela pessoa, naquele momento, que talvez mais precisasse, dando um apoio e uma palavra de carinho”, diz Flor Teixeira, mestre em Psicologia Social e professora da Unit.

Segundo a psicóloga, a impossibilidade da despedida por conta da pandemia pode deixar muitas marcas.

“O ritual é nossa primeira etapa para um processo de compreensão e mesmo de comprovação de que chegou ao fim a vida daquela pessoa. Pular essa etapa é enterrar sem um rito, sem um uma organização, é quebrar um significado, um modelo, uma estrutura. É claro que isso poderá acarretar impactos emocionais. A depressão será uma das principais consequências desse momento, acompanhado de uma possibilidade de estresse pós-traumático, afinal, o que nós estamos vivendo é um momento de crise”, observa.

Flor explica que a morte, apesar de fazer parte do desenvolvimento natural, pouco falamos sobre ela e que os fatores culturais contribuem para esse tabu.

“A morte em si nos remete a algo doloroso, perda, um sentimento de impotência de que eu poderia ter feito algo, mas ao mesmo tempo não tive controle em evitar esse momento e, obviamente, ao sofrimento”, explica.

Sobre o luto, ela diz que cada pessoa elabora a ideia de fim, de sofrimento, de maneira muito singular.

“O luto pode ser vivenciado de várias formas.  Consideramos que o luto tem duas perspectivas: social e individual. Nesse período de mal-estar coletivo buscamos teorias generalistas de enfrentamento porque queremos uma resposta para manter o controle, que sirva para todos como uma forma de propiciar a essa sociedade, soluções, mas a forma como cada pessoa compreende o significado desse processo é que irá conduzir a elaboração de luto”, expressa.

A psicóloga sugere que nesse cenário de mudanças, de insegurança e perplexidade precisamos adotar atitudes solidárias.

“Um comportamento longe de julgamento e próximo ao acolhimento.  Precisamos estar atentos a nós e aos outros. Acredito que falar de morte, é falar de vida e ao falar de vida é atentar sobre a qualidade e como estamos lidando com ela”, finaliza. 



Por Amália Roeder
Foto: Divulgação

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