Blaubeuren, Alemanha, janeiro de 2009. Após prejuízos com a crise internacional estimados em US$ 1,5 bilhão, Adolf Merckle, magnata proprietário do Grupo Merckle, que inclui farmacêuticas e a maior indústria de cimento da Alemanha, escreveu uma carta de despedida à família, caminhou 300 metros, deitou-se em uma ferrovia próxima e aguardou o trem passar. Seu corpo só foi encontrado à noite.
Rio Claro, São Paulo, junho de 2016. O empresário Luís Antônio Scussolino dono da Luizzi Estofados foi encontrado com uma corda em volta do pescoço quebrado uma semana depois de ter demitido 223 funcionários por conta da crise econômica e queda nas vendas.
Maceió, 3 de julho de 2019, o empresário português Manoel Tavares se jogou do sétimo andar do edifício Norcon Empresarial, no bairro da Mangabeiras, em Maceió por volta das 18h. Ex-dono da Sococo, o empresário havia construído prédios e loteamentos residenciais na capital alagoana. Sempre muito discreto e reservado, era viúvo e os seus negócios, como o hotel Best Western Premier Maceió, já eram administrados pelos filhos há algum tempo.
Aracaju, 4 de julho de 2019, o empresário Sadi Gitz, da indústria de cerâmica Escurial, que estava na segunda fila da plateia de um evento sobre a cadeia do gás natural em Sergipe, sacou um revólver calibre 38 e atirou contra si diante dos participantes e das autoridades entre elas Governador do Estado e o Ministro das Minas e Energias. Em maio sua empresa havia anunciado um período de hibernação, com a demissão de 600 trabalhadores diretos e indiretos.
Tema delicado e ainda considerado por muitos um tabu, o suicídio é um ato complexo sob qualquer ponto de vista e um problema de saúde pública e mental. No mundo, mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. O sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e criador do Mapa da Violência, destaca que o suicídio tem crescido no conjunto da população brasileira. “Os homicídios são uma epidemia, mas os suicídios também merecem atenção porque alertam para um sofrimento imenso”, afirma.
Para o psicólogo Danilo Faleiros, do Hospital Oswaldo Cruz, o suicídio é o processo final de um sofrimento existencial, é o desespero extremo de uma pessoa que não conseguiu dar vazão a um sofrimento. Ele explica que se trata de um problema de saúde pública porque a incidência é alta e constante. “O suicídio existe em todas as sociedades e causa grande impacto na vida de muitas pessoas, dos familiares, dos amigos, dos colegas de trabalho. É custoso para todos”.
No Brasil, todos os anos cerca de 11 mil pessoas tiram suas próprias vidas. De acordo com o boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado em 2017 pelo Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, 62.804 pessoas tiraram suas próprias vidas no país, sendo 79% delas homens e 21% mulheres. A taxa de mortalidade por suicídio entre os homens foi quatro vezes maior que a das mulheres, entre 2011 e 2015. Foram 8,7 suicídios de homens e 2,4 de mulheres por 100 mil habitantes.
Os transtornos mentais como a depressão e as questões psicológicas relacionadas a perdas recentes são alguns dos fatores de risco para o suicídio. Os especialistas, no entanto, deixam claro que estas fatores não podem ser considerados de forma isolada. Cada caso deve ser tratado de forma individual, mas está claro que algumas categorias profissionais são mais suscetíveis.
Um estudo do Dr. Michael Freeman, professor clínico da Universidade da Califórnia, San Francisco, revelou que um em cada três empresários vive com depressão e 30% de todos os empresários experimentam depressão. A vontade de construir um negócio próprio e fazê-lo dar certo geralmente é muito desgastante.
Na busca do sucesso profissional, muitos empreendedores são alvo fácil do esgotamento motivado pelo excesso trabalho conhecido como síndrome de burnout. Empreendedores tendem a impor muita pressão sobre si mesmos para atingir resultados cada vez maiores o que os ajuda a ter sucesso, mas também pode levar ao esgotamento.
A pessoa afetada pelo distúrbio psíquico apresenta sintomas fisiológicos e psicológicos como dores na cabeça e na coluna, transtornos intestinais, insônia, desanimo, irritação e falta de memória. Conforme a situação progride, o profissional doente fica alheio ao mundo à sua volta, sente-se incapaz de produzir e fica altamente suscetível à depressão. Uma pesquisa de 2018 da Harvard Business Review realizada com 326 empreendedores americanos mostrou que 25% dos empresários têm ao menos um início de burnout.
Em outro estudo, conduzido pelo Dr. Michael Freeman, professor clínico da Universidade da Califórnia, em San Francisco, ficou constatado que um em cada três empresários vive com depressão e 30% de todos os empresários experimentam depressão. Em seu livro “O Culto da Performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa”, o sociólogo francês Alain Ehrenberg alerta que a arte de empreender, de assumir riscos e ser obstinado, pode trazer dolorosas consequências.
Ao longo do tempo, a pressão aumenta sobre os empreendedores e suas carreiras ou empresas acabam definindo quem eles são. O professor Brian Little, da Universidade de Cambridge acredita que quando empresários se identificam tão estreitamente com seus projetos pessoais acabam por integrá-los a sua própria concepção do eu. Suas identidades se fundem com as de suas carreiras e o grande perigo nisso é que, se a empresa não está indo tão bem, eles também não estão.
Se eles se definem pelo sucesso de sua vida profissional, o que acontece quando seus projetos começam a desmoronar? Como fazer para enfrentar isso? A conclusão é que a responsabilidade direta pelos resultados da empresa, a pressão social para se mostrar realizada, as difíceis decisões de administração causadas por crises econômicas, a hipercompetitividade e as jornadas de trabalho intermináveis estão relacionadas ao crescente aumento de doenças de ordem psíquica e do uso de medicamentos na tentativa de resolver problemas de insônia, ansiedade, depressão para disfarçar os conflitos proporcionados pela competitividade vivenciada no ambiente de trabalho.
A depressão e a ansiedade crescem a ritmo vertiginoso com 11,5 milhões de pessoas afetadas no Brasil segundo relatório emitido pela OMS em 2017 e independente do avanço das tecnologias os problemas de ordem psicológica insistem em aumentar. Livros de autoajuda, drogas sintéticas para o aumento de performance e novos antidepressivos tem disso usados na busca pela erradicação dos males da alma, mas para muitos o suicídio se torna o último ato de suas vidas.
O psicólogo clínico Martin Seager explica: “os homens consideram o suicídio uma forma de execução”, afirma. “Um homem expulsa a si mesmo do mundo. Falamos de uma enorme sensação de vergonha e fracasso. O gênero masculino se sente responsável por prover e proteger os demais, além de responsável por seu próprio sucesso. Quando uma mulher perde seu emprego é doloroso, mas não perde seu sentido da identidade nem sua feminilidade. Quando um homem perde seu trabalho sente que já não é um homem”.
Para a psicóloga Mariana Bteshe, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, “não podemos ser levianos em relação a essa questão e fazer discursos de soluções fáceis. A prevenção ao suicídio é uma questão delicada, que tem que ser tratada com responsabilidade. Envolve toda a sociedade, da família ao estado”, disse. Ouvir uma pessoa que manifesta a intenção de tirar a própria vida e ajudá-la a buscar apoio profissional é muito importante. Grupos de ajuda e assistência como o Centro de Valorização da Vida (CCV), que atende pessoas com depressão e realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, podem ajudar.
O CVV atende voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar e desde setembro de 2017 oferece serviço de apoio, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat 24 horas todos os dias para todo o Brasil pelo telefone 188. Em Aracaju o CVV está localizado na Rua Itabaiana, 383, centro, atendendo das 7h às 13h diariamente. Mais informações: www.cvv.org.br.
Murilo Lima é analista comportamental, coach e especialista em gestão de empresas e empreendedorismo. Possui também formações em desenvolvimento de líderes, desenvolvimento estratégico e gestão da criatividade e inovação. Atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju e mentor voluntário da ONG Projeto Gauss. Desde 2012, conduz processos de desenvolvimento pessoal e profissional para empresários, líderes e jovens promissores, visando a expansão de competências, incremento de resultados e aprimoramento do ser.
Leia também:
Comente