Um cinema a menos, um silêncio a mais: até quando vamos assistir de braços cruzados?
“Você que inventou a tristeza. Ora, tenha a fineza de desinventar…” Chico Buarque.
O Cine Vitória, que já foi um dos mais importantes símbolos culturais de Aracaju, está fechado — e o que é mais grave: permanece sem qualquer explicação clara sobre seu destino. O silêncio que envolve essa ausência de respostas não é dos inocentes. É um silêncio que denuncia. Que grita. Que revela o descaso com a cultura em Sergipe e a negligência com o direito à cidade viva, pulsante, plural.
O que será feito do Cine Vitória? Vai reabrir? Entrará em reforma? Será destinado a outro uso? A população — especialmente quem frequentava o espaço — precisa saber. O cinema não era apenas um prédio. Era um ponto de encontro, um respiro no centro, um símbolo de resistência cultural em tempos de consumismo acelerado.
Situado na Rua do Turista — uma área estratégica, rica em vida urbana, com lojas, restaurantes e música ao vivo — o Cine Vitória cumpria uma função vital: atraía pessoas para o centro da cidade. Fortalecia o comércio local. Dava sentido à ocupação dos espaços públicos. Era cultura em movimento, não só na tela, mas também nas calçadas.
Para muitos, ele era uma alternativa importante aos shoppings. Em vez de escadas rolantes e praças de alimentação, havia rua, troca de olhares, conversas sinceras. Cinéfilos se encontravam nas sessões e depois seguiam discutindo os filmes nos restaurantes da Rua do Turista. O cinema era arte, mas também era convivência. Era cidade.
Fechar o Cine Vitória sem um plano claro é desmontar um circuito afetivo e cultural que se construiu ao longo dos anos com muito mais do que filmes: com presença, memória, significado. E, infelizmente, esse tipo de ruptura vem se tornando comum em Aracaju — uma cidade que muitas vezes vive da festa, mas esquece da cultura cotidiana.
Sim, temos eventos importantes: Carnaval, São João, Pré-Caju. Mas não podemos viver só de calendários sazonais. A cultura precisa ser viva o ano inteiro, espalhada pela cidade, acessível, democrática. Ela precisa de palcos, de espaços, de salas escuras e ruas iluminadas de troca.
Alguns dirão que outro cinema foi inaugurado recentemente, na Praça General Valadão: o Cine Walmir Almeida. Que bom. Mas isso não justifica o silêncio sobre o Vitória. Não é ganhando um e perdendo outro que se avança. Pensar cultura como um jogo de substituição é um erro. Fechou um e abriu outro? A cidade não ganhou. No máximo, empatou. E mal.
O fechamento do Cine Vitória é também mais um capítulo do abandono do centro de Aracaju — uma região que pede socorro, atenção e revitalização. O cinema era um polo de vida, e sua ausência contribui para o esvaziamento, a insegurança, o esquecimento.
“Você vai pagar e é dobrado. Cada lágrima rolada nesse meu penar…”. E nesse cenário, o silêncio do poder público ecoa como um grito vazio — uma omissão que pesa e fere. O que será feito? Quando? Existe algum plano ou sequer uma intenção clara? A cidade merece respostas urgentes. A cultura exige continuidade, respeito e cuidado. E a população tem, acima de tudo, o direito inalienável à dignidade cultural.
Como escreveu Cartola, o mundo é um moinho. E às vezes, tritura sonhos, esperanças e espaços com uma frieza cruel. Mas não precisamos aceitar isso como inevitável.
Se quisermos que Aracaju mantenha sua alma, precisamos defender seus espaços de memória, arte e encontro. O Cine Vitória ainda pode — e deve — renascer. O silêncio não é dos inocentes. É o ruído amargo da negligência. E quanto mais calados ficamos, mais ruídos perderemos.
Emanuel Rocha é historiador, coautor dos livros Bacias Hidrográficas de Sergipe e Bairro América: A saga de uma comunidade. Também atua como repórter fotográfico e poeta popular.
*Este é um artigo pessoal de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Hora News.
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