Saúde nas Entrelinhas – A humanidade sempre cultuou a possibilidade de se realizar previsões futuristas. Temos profecias históricas como as de Nostra Damus, um astrólogo, médico e vidente francês que em seu livro “Les Propheties” (As Profecias) publicado em 1555 fez previsões nada animadoras sobre o nosso futuro. Povos antigos como os Maias, cuja cultura e conhecimento são fascinantes deixaram um legado que em nossa interpretação levaria a uma hecatombe mundial na entrada do equinócio de inverno, no dia 21 de dezembro de 2012. O Apocalipse, fúria divina sobre a terra, atravessa culturas, civilizações e se perpetua pelo tempo. Um texto inspirado na obra “Cartas de Um Diabo a seu Aprendiz” de C.S. Lewis publicado em 1942 viralizou simulando como o Diabo teria levado milhões de almas da terra disseminando o medo de adoecer. Faz sentido. Quando o medo de não viver ficou maior do que o medo de viver, foi o dia em que a Terra parou.
Profetas
Já estudei sobre alguns profetas, assunto de meu interesse. O que me impressionou mais não foi nenhum que eu li, mas sim um que ouvi. Raul Seixas foi uma figura caricata e polêmica. Introdutor do Rock no Brasil, ficou famoso por músicas como “Metamorfose Ambulante” “ou “Nasci há mil anos atrás”. Jamais o imaginaria como um visionário paranormal. Hit da quarentena em 2020, só me atentei a música “O dia em que a Terra parou “lançada em 1977 há algumas semanas. É de arrepiar. Em uma melodia rítmica daquelas que só ele conseguiu construir, Raul descreve o sonho do dia em que ninguém saiu de casa. Convido todos que não ouviram esse “sonho” a o fazerem e entenderem que além de Deus, o Profeta é brasileiro. Ninguém saiu de casa, e porque ninguém saiu de casa, todos continuaram não saindo. Em uma análise mais profunda, a música descreve mais que uma simples quarentena, descreve o fim da humanidade.
Consequências
Por mais que estejamos insanamente loucos a procura de um culpado local, não podemos negar que a crise sanitária que vivemos é dona do mundo. Algumas experiências mais exitosas, outras menos, todo nosso sistema padece da pandemia do Sars-Cov2.
Quando enfrento diariamente a dificuldade de operar uma paciente oncológica penso quantas vidas perderemos, vidas que poderiam ser salvas em um tratamento em tempo oportuno. Culpa do coronavírus ou de um sistema desenhado por nós que não permite que consigamos conviver com a pandemia? Quando vejo minha filha em idade de alfabetização com dificuldades em ler e escrever pelas aulas on-line me pergunto: E aquelas que não tem acesso nem as aulas on-line? Nosso futuro será de analfabetos funcionais? Quando vejo um professor de dança, colaborador voluntário do nosso grupo de pacientes oncológicas postar em rede social o desespero de quem não tem dinheiro para pagar o aluguel me pergunto, quantas pessoas não estão passando por essa mesma situação? Quando do trajeto do Hospital à minha casa tenho o vidro do meu carro lavado por 8 pessoas pedindo ajuda me pergunto: será que isso vai ter conserto?
Onde mora o perigo
Independente de religiões ou crenças políticas, a situação é de calamidade. No presente por falta de leitos, no futuro por falta de ordenação. Quando a sociedade desestrutura e o poder público decreta que pode requisitar qualquer sorte de bens privados sob a justificativa subjetiva de minorar o perigo público estamos assistindo, de camarote, a desordenação do sistema que nos sustenta. Estamos vivendo o “sonho” do profeta Raul Seixas. Se nada mudar, estamos começando a desenhar o fim dos tempos.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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