O canto da sereia da proibição da cobrança de bagagem

Se você é a favor de que pobres andem de avião, deveria ser contra a proibição da cobrança de bagagens pelas companhias aéreas. Muita gente comemorou a volta da proibição, aprovada pelo Congresso (falta o presidente sancionar), mas a verdade é que é um retrocesso econômico, compartilhado com apenas quatro países do mundo: Venezuela, Rússia, México e China. 

Coincidentemente, nenhum deles possui companhias aéreas low-cost, ou de baixo custo. Como o próprio nome diz, essas empresas cobram preços baixíssimos por suas passagens. Baixíssimos mesmo. Estamos falando de passagens a partir de 15 ou 20 libras, um valor que, mesmo se convertermos em reais, continua bem abaixo do que estamos acostumados a pagar por aqui. E como elas conseguem essa mágica? Entre outras coisas, cobrando separado por serviços assessórios, como o despacho de malas, por exemplo. E isso é o de menos. Há uma companhia low-cost irlandesa que estuda cobrar à parte até pelo uso do banheiro! Claro que esse é um caso extremo, mas há inúmeras outras coisas que podem ser cobradas à parte, e não embutidas no preço, como alimentação a bordo, fones de ouvido, travesseiros, cobertores, assentos mais bem localizados… 

Absurdo? Não, se você considerar que, ao contrário do que pensam a maioria dos parlamentares, nada disso sai de graça quando você compra uma passagem no Brasil. O valor está lá, e você paga, usufruindo ou não do serviço. Aí vem aquele argumento: “Ah, mas o preço da passagem não caiu depois que liberaram a cobrança no Brasil”. Tem certeza que não? Você isolou a cobrança de todos os outros fatores que também interferem no preço da passagem? Preço do combustível, salários, cotação do dólar? A relação oferta X demanda permaneceu igual no período?

Com certeza, você não fez essa análise antes de concluir que o preço não caiu. Nem você e nem os deputados que votaram a favor do retorno da proibição. Mas não se preocupe, o economista Bruno César Mariano Resende fez, em sua tese de mestrado na FGV, sobre as Estimativas do Efeito da Taxa de Despacho de Bagagem. E o que ele concluiu foi que, isolados os outros fatores, o valor da tarifa caiu em torno de R$ 15. 

“Ah, mas esse valor é muito menor que o preço cobrado pelos despachos de bagagem. Estamos no lucro”. Bom, aí entram dois fatores. O primeiro é que é menor porque está sendo rateado por todos, os que despacham e os que não despacham suas malas.  Da outra forma, apenas os que despacham têm que arcar com os custos. É claro que se você rachar sua conta do supermercado com seus vizinhos, cada um vai pagar um valor menor do que o que você paga atualmente, mas isso não torna correto que seus vizinhos sejam obrigados a rachar as suas compras do mês com você. 

O segundo e principal fator é que a aviação no Brasil não precisa ter uma política agressiva de descontos porque não tem concorrência. Quando se está num oligopólio (o mesmo que temos no setor bancário, e por isso os altos juros), os clientes não têm muita opção, e fica muito mais fácil fazer cartel, por exemplo. O Brasil tinha quatro empresas aéreas comerciais (hoje são só três) e nenhuma delas é low-cost. Nenhuma delas precisa concorrer com uma low-cost. Então, é claro que não precisam se esforçar muito para oferecer o melhor custo-benefício aos seus clientes. 

Aí você pergunta: “tá…E porque não entraram as tais low-cost no Brasil, enquanto era permitida a cobrança?”. A resposta é muito simples: porque era proibido. A permissão de capital estrangeiro no mercado aéreo brasileiro só será permitida após a sanção do presidente à mesma MP que proíbe a cobrança de bagagem (ele pode vetar essa emenda, e espero que o faça). 

Se queremos mesmo que o estudante da escola pública viaje de avião, o caminho é reduzir entraves, abrir o mercado e permitir que tudo seja negociado à parte. Países desenvolvidos que têm passagem barata funcionam assim. Chega de adotar medidas diferentes e esperar resultados iguais. O apelo de proibir cobrança é bonito, mas não passa do canto da sereia…


Milton Andrade é empresário e advogado, com pós-graduação em Direito Tributário. Foi candidato a governador de Sergipe nas eleições de 2018 e atualmente coordena o Fórum Empresarial de Sergipe.

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