Saúde nas Entrelinhas – As fases da vacinação contra a Covid-19 estão evoluindo e a próxima deve contemplar pacientes com comorbidades. Muitas dúvidas estão no entorno da definição do que são as comorbidades e quem se encaixará neste grupo.
Dúvidas não são novidade desde o começo da pandemia. Com diretrizes e recomendações descompassadas vemos intervenções locais no Plano Nacional de Imunização que deixou em aberto alguns pontos gerenciais importantes abrindo caminho para reinterpretações.
Um dos poucos orgulhos brasileiros, nosso programa de imunização sempre foi exemplar. Vacinas distribuídas gratuitamente em postos de saúde salvaram a vida de milhares de adultos e crianças ao longo da nossa história. É um programa desburocratizado, simples, rápido onde é necessário somente levar uma identificação e um documento com foto.
Na pior crise sanitária da nossa história recente onde há uma vacina a ser aplicada, um plano absolutamente burocrático, de difícil acesso, sem controle gerencial e com métricas questionáveis é implantado.
Profissionais da saúde
Profissionais da saúde foram os primeiros contemplados com a vacinação mas a dúvida que ficou é: quem é profissional da saúde? Faz sentido vacinar o médico e não vacinar a recepcionista do hospital, vacinar a enfermeira, mas não a equipe da limpeza que manipula o material infectado, vacinar a cirurgiã e não vacinar a instrumentadora? Em uma casa de repouso com mais de 50 idosos faz sentido vacinar os moradores sem vacinar toda equipe que lá presta serviços de saúde? As listas de vacinação dos serviços foram feitas em planilhas de excel ou as vezes feitas a mão para serem depois lançadas em um sistema. Estarão traduzindo a realidade?
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), mais de 15 mil pessoas faltaram na segunda dose da vacinação. É gente demais e uma perda enorme de tempo, de dinheiro e de eficácia no controle da epidemia. A própria secretaria questiona esses números considerando que os dados talvez ainda não tenham sido lançados no sistema. Na época do código de barras e do QR code bate aquela vergonha em ver planilhas a mão nos centros de vacinação dependendo de pessoas para abastecimento de dados. Se nem a SMS confia em seus dados, só podemos concluir que muito esforço e dinheiro estão sendo rasgados enquanto falhamos em bloquear ativamente a epidemia. Mais sofrimento, mais mortes.
Pacientes com Câncer
Outra polêmica em aberto são os pacientes com câncer. O nome câncer, um nome genérico que engloba inúmeros tipos de doenças com tratamentos e desfechos diferentes não está descrito como comorbidade no Plano de Imunização. Dentro do subgrupo de Imunodeprimidos, há referência a pessoas que fizeram quimioterapia ou radioterapia nos últimos 6 meses ou pacientes com neoplasias hematológicas, só.
Considerando essa grande gama de doenças que contemplam a palavra câncer, sabemos que alguns tratamentos não colocam, por definição, pacientes como grupo de risco.
O primeiro ponto que questiono é em relação a definição de grupo de risco. A nova onda de COVID-19 veio com características epidemiológicas diferentes da primeira. Adultos jovens sem doença alguma padeceram em uma proporção muito maior que ano passado. Consequência da vacinação nos idosos? Talvez, mas ainda não temos como garantir essa relação. O que temos são dados mostrando ocupações de leitos de UTI por pacientes jovens muito maior que na onda anterior.
O segundo ponto é de ordem gerencial. Inúmeros pacientes oncológicos já foram contemplados com a vacina por causa da idade. Os demais teriam que passar por uma “triagem” avaliadora para confirmar se estariam nos critérios estabelecidos no plano de vacinação. Na prática, dentro da estrutura do SUS, impossível.
Se temos que vacinar a todos, que todos aqueles que não tenham contraindicação sejam vacinados, sempre e em qualquer oportunidade. Muitos pacientes oncológicos não são imunossuprimidos, não fizeram quimioterapia nem radioterapia nos últimos 6 meses, mas não deixam de ser oncológicos. Não ser “grupo de risco” hoje não tem o mesmo significado de não ser grupo de risco de um ano atrás. Vacina para todos, o mais rápido possível.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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