No Limite da Exaustão

Saúde nas Entrelinhas – Como mastologista, circulo por vários ambientes dentro da cadeia de assistência ao paciente. Na minha clínica privada, tenho percebido cada vez mais a fragilidade emocional de quem vem para uma consulta médica, mesmo sendo de rotina. Chegamos em um ponto onde cada um já tem sua própria história de enlutamento ou de dor relacionado a COVID 19. Quando preciso agendar uma cirurgia, vejo o desgaste que uma paciente oncológica tem que passar para além de enfrentar a doença, ter que enfrentar seu plano de saúde se tiver sorte o bastante de ter um. Quando entro no centro cirúrgico e vejo uma parede criada no meio dele reduzindo sua dimensão pela metade para dar lugar a mais uma UTI, olho nos olhos de quem trabalha ali e vejo que o espaço reduziu, mas o trabalho dobrou. Quando passo na urgência e vejo que a observação também virou uma nova UTI, lotada, penso como estará a cabeça de quem está trabalhando ali.

Limite

Completamos um ano de pandemia com consequências definitivas ainda imensuráveis, mas com um olhar mais atento vemos que o que urge é o emocional das pessoas, especialmente aquelas que há um ano tem lidado com os riscos da exposição, o tratamento complexo do paciente com COVID grave e a perda de tantos deles. Vejo pessoas alegres tristes, vejo quem sorria chorar, vejo no silêncio de pessoas extrovertidas um pedido de ajuda. 

Mais um decreto ontem, mais um mês de aulas on-line para quem as tem, mais um mês sem aula para a maioria das crianças do nosso Estado. Choro, crises de ansiedade, desmaios, náuseas frequentes e cefaleia são algumas das queixas mais comuns que mães relatam que seus filhos vem enfrentando com o confinamento domiciliar.

Em consultórios de seguimento ambulatorial de pacientes que superaram a Covid grave encontramos muito além de sequelas pulmonares. A infecção por coronavírus nas epidemias anteriores de SARS e MERS deixaram também sequelas psiquiátricas como Transtorno de Estresse Pós Traumático, Depressão, Transtorno do pânico e Transtorno Obsessivo Compulsivo. Um estudo italiano que estudou a infecção pelo Sars-Cov2 publicado em 2020 mostrou a alta prevalência desses sintomas por até 50 meses e relacionam seu aparecimento a ação direta do vírus, a resposta imunológica ou a estressores externos como o isolamento social e a exposição a extenuantes relatos da mídia.

Exaustão

Um ano após o início da pandemia, temos pacientes com sequelas neurológicas e psiquiátricas, temos familiares enlutados com quadros psiquiátricos, temos crianças enclausuradas com quadros psiquiátricos e temos uma equipe de saúde desgastada física e emocionalmente evoluindo também com quadros psiquiátricos em uma novela que não temos ideia de quando terá seu último capítulo. A sociedade está chegando à exaustão.

Renascimento

Dito isso, precisamos entender que a exaustão não é uma opção. Precisamos reabilitar os nossos doentes, precisamos acolher os enlutados, precisamos amparar nossas crianças e precisamos apoiar profundamente a equipe de saúde que está lá agora, nesse momento, no fronte da guerra. Lidaremos com sequelas, mas precisamos de empatia. Precisamos enxergar além de nossas próprias necessidades e entender que estamos todos absolutamente conectados uns aos outros independente de vínculos familiares ou status social. Se puder fazer algo por alguém, faça. Se puder ajudar quem precisa, ajude. Nunca precisamos tanto um do outro como agora. Se você cair, eu caio. Se você ficar em pé, eu fico também.

Até semana que vem


Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.

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