A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou na quarta-feira, dia 8, que estados e municípios, por meio de decreto, proíbam a realização de missas e cultos presenciais durante a pandemia de covid-19. O julgamento foi acompanhado com atenção por pastores e fiéis de igrejas católicas e evangélicas e foi assunto de pregações.
Na terça, dia 6, um grupo de deputados da Bancada Evangélica havia se mobilizado para tentar barrar o veto à realização de cultos na pandemia sob a justificativa de que não se pode proibir a atividade religiosa nem as manifestações de fé enquanto o país atravessa o pior momento da pandemia com mais de 4.000 óbitos em 24h. Procuraram de Luiz Fux, presidente do STF, a Jair Bolsonaro a quem pretendiam sugerir uma medida provisória para impedir o fechamento de igrejas por causa do isolamento social.
Em sua fala na discussão sobre o funcionamento das igrejas, o advogado-geral da União, André Mendonça, criticou as medidas de combate à covid-19 tomadas por governadores e prefeitos e classificou o toque de recolher e a suspensão de atividades econômicas como práticas de Estado autoritário. Em sua sustentação oral, afirmou que os cristãos estão dispostos a morrer pela fé: “Não há cristianismo sem a casa de Deus. Não há cristianismo sem o dia do Senhor. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos, jamais, a matar por sua fé, mas estão dispostos a morrer para garantir a liberdade religiosa e de culto”, afirmou o bolsonarista evangélico que cobiça uma vaga no STF.
Em Sergipe, ainda no final de março, um vídeo circulou pelas redes sociais com um padre da paróquia da cidade de Laranjeiras criticando as medidas restritivas estabelecidas pelo governo do estado, afirmando ser contra a decisão de fechamento das igrejas e demais estabelecimentos. O representante da igreja católica considerou a ordem “descabida” e acusou médicos, sem qualquer prova, de estarem recebendo dinheiro por cada pessoa morta por covid-19.
Mas, por 9 votos a 2, os ministros entenderam que a situação crítica atual da pandemia no Brasil justifica o fechamento temporário dos templos para evitar aglomerações em lugares fechados e que não há violação à Constituição no que diz respeito a liberdade religiosa. Para o ministro Luís Roberto Barroso a questão nada tem a ver com ideologia ou metafísica “Ciência e medicina são, nesse caso particular, a salvação”, afirmou. Já a ministra Carmem Lúcia afirmou que “a fé não se mede pela presença, não se confunde com banco de igreja”.
Como reação, no último final de semana, protestos contra a proibição de cultos religiosos na pandemia, ocorreram em várias cidades pelo Brasil. Os atos e carreatas, com pouca adesão, receberam o nome de Marcha da Família Cristã pela Liberdade, numa alusão ao movimento de 1964 a favor da ditadura militar.
Ora, estudos científicos como o da Universidade de Stanford (EUA) indicam que o risco de contaminação pelo coronavírus durante a realização de missas e cultos presenciais é mais alto, por exemplo, que em mercados e consultórios médicos ficando atrás de restaurantes, academias e motéis. Cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e do Massachusetts Institute of Technology (MIT) constataram que quando as pessoas cantam ou falam alto, o que acontece em celebrações religiosas, há mais risco de propagação do vírus da covid-19 mesmo com distanciamento de dois metros entre os presentes. O estudo cita o caso em que 32 cantores de um coral acabaram contraindo o vírus durante os ensaios mesmo cumprindo os protocolos de distanciamento.
O próprio Papa Francisco tem dado o exemplo realizando pelo segundo ano consecutivo as celebrações da Semana Santa no Vaticano sem a presença de público e o padre Julio Lancelllotti, que tem atuado desde o início da pandemia na linha de frente auxiliando a população de rua, orienta: “A essencialidade da liberdade religiosa é a solidariedade, a fraternidade e a defesa da vida e não o templo ou a presença no templo. O templo é um detalhe, é um espaço, um local. Não o essencial”.
Em meio à uma pandemia mortal líderes religiosos quererem fazer parecer que estar na igreja virou um ato de heroísmo e que é isto que qualifica quem é verdadeiramente crente ou não é irresponsável e leviano. Induzir fiéis a pensar que só é possível servir a Deus dentro da igreja, como se Ele estivesse pendurado em alguma parede de um templo só mostra o quanto muitos destes pastores de ovelhas se distanciaram da Palavra de Deus. Já por volta dos anos 50 a 52 d.C. o apóstolo Paulo, maior propagador da mensagem do Cristo, esteve no Areópago da cidade de Atenas, local de reunião do conselho e do Supremo Tribunal ensinando, em um de seus discursos mais interessantes de todo o Novo Testamento, que ¨o Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens (Atos 17:24).
Como tudo em que o homem põe as mãos, o Cristianismo tem sido deturpado e manipulado por alguns líderes de religiões institucionalizadas, em suas várias denominações, que têm mantido relações promíscuas com políticos, defendido pautas questionáveis e retrogradas e se envolvido em acusações de corrupção, assédio e abuso sexual, para não mencionar outros escândalos.
A prática de rituais infundados sem sustentação bíblica, como a venda de feijões mágicos, rosas abençoadas, as danças e gritarias histéricas e sem sentido, as promessas de curas milagrosas, as teorias de conspiração absurdas – como as que acusam o presidente francês Emmanuel Macron de ser o anticristo ou que o sistema de pagamentos PIX seria a marca da besta – o estímulo ao preconceito contra as religiões de matiz africana, cujos rituais são associadas a ações demoníacas, demonstram como, lamentavelmente, a mensagem de um dos maiores mestres que a humanidade conheceu se tornou mero fenômeno cultural, mero conjunto de práticas tradicionais e não espirituais e ferramenta para manipulação das massas.
Já é hora de dar um basta neste arremedo de Cristianismo de identidade mesquinha, sectarista, vazia e distante do Cristo e de seus ensinamentos que ilude fiéis que aplaudem bezerros de ouro que com suas palavras egocêntricas e megalomaníacas nos púlpitos e altares conduzindo comunidades com cada vez mais cristãos, mas cada vez menos o verdadeiro Cristo e seus valores, cada vez menos Deus e esperança.
Certamente perder parentes, emprego, negócios e ter sua liberdade temporariamente limitada em meio a uma pandemia é algo que pode enfraquecer a saúde mental e espiritual de qualquer, mas Deus não está na igreja e estar na igreja não fará alguém mais crente do que quem está orando em casa. O próprio Jesus ensinou: “E quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros. Eu lhes asseguro que eles já receberam sua plena recompensa. Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará”.
A crise provocada pela pandemia da covid-19 perpassa várias dimensões, tem se dado muita atenção às questões políticas, econômicas, mas há que se atentar também para seus impactos na dimensão espiritual. É chegada a hora da humanidade entender que sua conexão com o Divino independe de templos e líderes religiosos. Jesus ensinou: “Deus é espírito e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”
A Causa Primeira de Todas as Coisas, O Princípio Absoluto criador de tudo o que há não está nas igrejas, mas em nossos corações. Ouçamos a Sua voz, não a dos homens.
Murilo Lima é professor, analista comportamental e articulista do Hora News. Especialista em gestão de empresas, atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju. Seus textos refletem criticamente sobre a relação do homem com a tecnologia e a espiritualidade.
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