Moro apagou mensagens do WhatsApp e obstruiu a Justiça

Moro pipocou em seu depoimento perante as autoridades investigadoras, voltou atrás, recuou, se desdisse, tergiversou, disse que não disse e mentiu no seu pífio “interrogatório” policial de 9 horas. Apagou mensagens do seu WhatsApp afirmando que não eram relevantes e “obstruiu a investigação criminal”. Ficou com medo de responder pelo crime de denunciação caluniosa, além de “auto-absolver-se” do crime de prevaricação ao negar a interferência do presidente na autonomia da Polícia Federal durante o seu “mandato”.

Caso mantivesse a versão da entrevista responderia por esse crime, por não ter tomado providências contra o presidente, ou seja, por ter prevaricado. Descumpriu a promessa que fez em sua entrevista de apresentar provas das declarações que fez contra o presidente. Mas na ausência delas, ou no medo de apresentá-las optou por desdizer-se, reconsiderando o conteúdo e significado de sua entrevista, afirmando que não houve interferência na Polícia Federal.

Vejamos a seguir o significado desse primeiro parágrafo e a consequência do recurso estratégico do investigado Moro, que não se portou como tal, imaginando que ainda era o comandante do procedimento inquisitivo, deixando seus inquisidores desconfortáveis, os quais esforçaram-se para não “enquadrá-lo”, como “investigado”. Pesou, na verdade, ainda a reverência que suas funções anteriores desfrutavam, deixando as autoridades perplexas, com a sua primeira confissão, qual seja, de que “apagou algumas mensagens” de seu WhatsApp, mas que elas não eram relevantes!

Mas desde quando o investigado tem autoridade para definir o âmbito e a abrangência da investigação criminal, o que é ou não relevante para as investigações em andamento? Não eram relevantes para quem cara pálida? Como poderá a autoridade policial persecutória avaliar ou valorar se aquelas mensagens apagadas pelo investigado Moro eram ou não relevantes para a investigação criminal, afinal, a autoridade policial está cumprindo determinação do ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal.

A autoridade policial tem o dever funcional de apurar todos os fato em toda a sua extensão, sendo inadmissível a supressão de mensagens às vésperas de sua inquirição sobre todos os fatos precedentes objetos da investigação. Inegavelmente, essa supressão é desautorizada pelo nosso ordenamento jurídico e burla, para não dizer frauda, a expectativa das autoridades que apuram os fatos. O investigado se acha no direito de escolher o quê e o limite do que a autoridade policial deve ou não investigar. Parece que sua “ex-excelência” não se deu conta de que, dessa vez, ele é o alvo, e não o estilingue.

Dentro das circunstâncias, a autoridade policial e o próprio Ministério Público, necessariamente, para bem desincumbirem-se de suas funções institucionais, deverão requisitar a quebra de sigilo do WhatsApp do investigado Moro, que hoje não é superior a qualquer outro investigado e deve submeter-se aos mesmos rigores das leis penal e processual penal.

O investigado, segundo a Requisição do douto PGR –se é que não percebeu–, não é o presidente da República, mas ele próprio, por aquele rosário de crimes declinados na requisição ministerial. Aliás, na concepção do próprio lavajatista Moro, em circunstâncias tais, seria fundamento mais que suficiente para decretar sua prisão preventiva, por estar suprimindo ou obstruindo elementos probatórios, aliás, como fez, abusivamente, muitas vezes do alto seu abusivo exercício do poder jurisdicional.

Na realidade ao apagar mensagens de seu WhatsApp, sabendo que estava sendo investigado por todos os crimes que o PGR relacionou em sua requisição, o investigado Moro ao apagar mensagens de seu celular, inegavelmente, suprimiu provas, pretendeu impedir que a investigação descobrisse a extensão de sua responsabilidade penal.

Ele próprio cansou de decretar prisão de investigados por muito menos que isso. Na interpretação do próprio Moro qualquer investigado que suprimisse provas tal qual o próprio fez, seria fundamento suficiente para justificar o decreto de prisão preventiva, segundo a sua própria cartilha.

É inegável que sua conduta teve o objetivo de obstruir a investigação instaurada pelo Ministério e que o fez conscientemente, deixando as autoridades perplexas ante o que para elas foi inusitado, partindo de investigado desse porte intelectual jurídico. Aliás, o próprio Moro condenou muita gente por conduta como essa. No entanto, fosse ele o magistrado a julgar esse fato, certamente, condenaria o infrator pela prática do crime de obstrução de Justiça, que ele mesmo acaba de cometer.

TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE OBSTRUÇÃO DE JUSTIÇA

As condutas incriminadas no dispositivo legal são “impedir” e “embaraçar” investigação de infração penal que envolva organização criminosa:

a) impedir significa impossibilitar, inviabilizar ou não deixar realizar. Em outros termos, o significado de impedir é vasto, podendo abranger também evitar, bloquear, não deixar prosseguir, ou obstaculizar o prosseguimento de investigação criminal;

b) embaraçar significa obstar, estorvar, dificultar, tumultuar, confundir, perturbar ou atrapalhar investigação criminal. Dito de outra forma, dificultar é criar embaraços, e vice-versa. Embaraçar é menos grave que impedir, ou seja, é absorvida pela ação de impedir. A ação de embaraçar (dificultar) representa um estágio menos avançado que a ação de impedir; aliás, são condutas progressivas. Esta última equivale ao impedimento absoluto da investigação criminal. Na realidade, há uma certa redundância entre os verbos nucleares “embaraçar” e “impedir”, o que indica, por si só, que apenas um deles seria suficiente para tutelar o bem jurídico que se pretende preservar. Aliás, redundância tem sido uma característica altamente negativa de muitos diplomas legais, a qual, é bom que se diga, foi inaugurada pela antiga Lei de Drogas, já revogada sem deixar saudades.

O legislador, por fim, não indica os meios ou formas pelos quais o sujeito ativo pode impedir ou embaraçar investigação criminal, ficando em aberto um universo incalculável de possibilidades, que somente a casuística poderá nos indicar. Trata-se, por conseguinte, de crime de forma livre, podendo ser praticado por qualquer meio escolhido pelo agente. No entanto, o objeto material desta infração penal é a investigação de infração penal que envolva organização criminosa, que não objeto dessa investigação.

Ante esses fatos é indispensável examinar-se a aplicabilidade do disposto no § 1º do art. 2º da Lei 12.850/13, que disciplina os crimes praticados por organização criminosa, com a seguinte redação: “nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Pois essa figura penal de “impedir ou embaraçar investigação criminal”, como ocorreu com a conduta de apagar mensagens do WhatsApp, por quem é objeto de investigação criminal, ficou conhecida no meio juridico como “obstrução de Justiça”.

Quanto a esse aspecto não resta a menor dúvida, e, por isso, é indispensável a requisição de quebra de sigilo do WhatsApp do investigado, pelo Ministério Público, aliás, o que o Parquet deve investigar pode estar –e provavelmente estará– nas mensagens que foram apagadas pelo investigado Moro.

Contudo, enquanto penalista, adotamos o entendimento de que a previsão desse § 1º do art. 2º da lei referida aplica-se somente as condutas praticadas por “organizações criminosas”, que, pelo menos em tese, não é objeto da investigação.

Com efeito, na nossa concepção, enquanto doutrinador, o objeto material desta infração penal é a investigação de infração penal que envolva organização criminosa, e, por consequência, não pode ter como sujeito ativo o investigado, por esses fatos. Falta nas demais infrações penais a elementar normativa do final do § 1º, qual seja, “investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Por tais razões, em qualquer crime que não seja praticado por esse tipo organização, a obstrução de Justiça como essa praticada por Moro não tipifica o crime de obstrução de Justiça.


Cezar Bitencourt é advogado, procurador de Justiça aposentado, professor universitário e doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, na Espanha.

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