Nos dias atuais, gostaria de levantar a discussão da diferença entre sexo e masturbação a dois. Com o advento dos anos 1980, paz & amor e liberdade sexual, aquilo que era restrito ao casamento e à intimidade da dupla ganhou um contexto social e voz entre as pessoas.
Mesmo o sexo sendo um tabu até hoje, ele está camuflado com uma certa aceitação e tentativa de naturalização por alguns grupos que se dizem vanguardistas. Só que entramos em novos modelos hedonistas de relacionamento, pouco claros, quando falamos de intimidade e amor.
Freud, com seu brilhantismo, foi muito sagaz em produzir uma linha cronológica, mas também bidirecional, sobre o destino das pulsões sexuais. Começa na fase oral, momento em que o bebê precisa do seio da mãe para se alimentar; passa pela fase anal, que se volta para o controle dos esfíncteres e contenções e limites psíquicos; fase fálica na descoberta do prazer dos órgãos sexuais de forma autoerótica e, depois de um período de latência que essa energia se volta para um investimento social, chegamos na fase genital, sublime por natureza, em que o prazer acontece a dois e se tem satisfação também pelo gozo do outro.
Freud chegou a especular, naquela época, mas já revisto atualmente, que a mulher precisaria renunciar ao prazer clitoriano pelo vaginal para ser mulher. Esse pensamento não é mais verdade, embora há mulheres com dificuldade de ter prazer ainda hoje em dia, independentemente da forma.
Parece uma teoria simples e que todo adulto, ao iniciar sua vida sexual, deveria automaticamente entrar na fase genital, já que passa a se relacionar com os outros. Entretanto, proponho aqui que não é o que acontece. Estamos observando pessoas que passam a ter prazer a dois, mas não em dois. Casais permutam-se em dar prazer um ao outro, mas de uma forma análoga a uma masturbação em dupla. Primeiro, foca-se no prazer de um e depois no prazer do outro. Os dois satisfeitos, passa-se a uma “segunda rodada”, se for de desejo mútuo.
Existe uma grande diferença em gozar com o gozo do objeto (pela Psicanálise) ou do outro, ou obter prazer direto do objeto. Para se ter prazer pelo prazer do outro faz-se necessária uma capacidade sublimatória do desejo em um movimento alternado de união e separação, que pede um processo de intimidade, autoconhecimento e altruísmo – dentro do que possa ser possível. A masturbação em dupla, ou as orgias, é o toma lá dá cá. Somos pessoas legais. Eu te dou prazer e você me dá prazer, e a gente segue vivendo. Se não puder ser contigo, que seja com outro. Como não existe um investimento maior e profundo na pessoa ao lado, sua perda ou substituição não é sentida e, assim, nos livramos do medo nefrálgico de se sentir desamparado/a.
O lamento é que se não há entrega, intimidade, altruísmo e união, as pessoas jamais conseguirão experimentar um gozo que transcende o gozo físico com a liberação de neurotransmissores do prazer somente. Esta ligação com o outro-objeto de trocas energéticas em um funcionamento genital potencializa a sensação de prazer. Ousaria dizer que o gozo é físico e mental ao mesmo tempo – se é que podemos falar assim. Portanto, convido-os/as, caros/as leitores/as, a refletir como andam suas relações sexuais e, nesse momento de tanto sofrimento pela presença de tânatos, a pulsão da morte, via pandemia, veja se conseguem potencializar seu prazer nesse processo lindo e fantástico de entrega de si e união com o outro. Acho que é um convite ao pensamento e à discussão.
Petruska Passos Menezes é psicóloga, psicanalista e articulista do Hora News e escreve semanalmente artigos sobre Comportamento e Saúde.
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