Com a internet e as redes sociais influenciando cada vez mais a comunicação e a gestão dos relacionamentos entre as pessoas, o meio político percebeu que, mais do que uma tática, a internet e as redes sociais seriam úteis para gerar mais atenção a suas ideias e formas de pensar, obter proximidade do eleitorado e conquistar apoiadores e votos.
Mas os meios digitais têm sido usados por alguns, como armas para enviar mensagens democraticamente perigosas e violentas, de estímulo a agitação civil, negação da democracia, mentiras políticas e informações pseudocientíficas para manipular e polarizar.
O aumento da propagação de notícias falsas, imagens adulteradas e teorias conspiratórias espalhadas em plataformas como o Facebook, o YouTube e o WhatsApp tem sido expressivo nos últimos anos. Nas eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016, o Facebook e a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se viram em meio à polêmica da manipulação de opinião pública quando os dados de 50 milhões de usuários da rede social foram usados, sem autorização, em campanhas de publicidade, e ficou constatado que as notícias falsas amplamente compartilhadas durante o período decisivo da eleição americana tiveram tamanho alcance e legitimidade a ponto de sobrepujarem as notícias verdadeiras.
A política de dados permissiva do Facebook e a falta de leis que regulamentassem a coleta dos grandes volumes de dados (Big Data) permitiu que essas empresas traçassem perfis a partir de históricos de uso, interesses e outros critérios, e separassem essas pessoas em grupos estatísticos para manipulá-las mais facilmente através de fake news. Mensagens com conteúdo racista e forte difamação dos adversários políticos culminaram em acontecimentos imprevisíveis como o retorno do fascismo e da extrema direita, a vitória do Brexit (referendo que tirou a GrãBretanha da União Europeia) e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.
Durante um fórum da Escola de Negócios de Stanford, o ex-vice-presidente do Facebook, Chamath Palihapitiya, alertou, que os comportamentos das pessoas estão sendo programados sem que elas percebam. “As redes sociais estão dilacerando a sociedade”. Palihapitiya, que declarou sentir “uma grande culpa” por ter trabalhado no Facebook, alertou que o vício em redes sociais e seus efeitos são um problema global que está “corroendo as bases fundamentais de como as pessoas se comportam consigo mesmas e com as outras”.
Sendo a internet, as redes sociais e ferramentas de comunicação instantânea, como o Whatsapp, facilitadores da comunicação entre as pessoas, as fake news se tornam um problema cada vez maior devido ao compartilhamento irresponsável sem a devida verificação da veracidade das informações. E uma maior disseminação das notícias falsas aumenta seu poder de causar estragos.
Em 2017, casos de fake news com o compartilhamento de notícias falsas sobre a presença de supostos sequestradores de crianças no estado de Jharkhand na Índia, maior mercado do Whatsapp, resultaram no linchamento de mais de 13 vítimas e o assassinato de 27 pessoas inocentes em menos de dois meses numa clara demonstração de como criminosos podem manipular grandes grupos de pessoas que não sabem distinguir rumores de notícias verdadeiras incitando-as a violência.
No Brasil, o relatório Liberdade na Rede 2019: A Crise das Redes Sociais divulgado pelo Instituto Freedom House denunciou a propagação de notícias falsas, imagens adulteradas e teorias conspiratórias através da internet elevando a manipulação das redes sociais a novos patamares a partir das eleições de 2018. Ben Supple, gerente de políticas públicas e eleições globais do Whatsapp reconheceu na época que houve “atuação de empresas fornecedoras de envios maciços de mensagens que violaram nossos termos de uso para atingir um grande número de pessoas”. Reportagens de portais de notícias e periódicos de abrangência nacional, como o UOL e a Folha de São Paulo, revelaram que em 2018 diversas agências de publicidade a serviço de campanhas políticas de partidos tanto à esquerda quanto à direita utilizaram serviços de disparo em massa de Whatsapp para grupos e eleitores praticando irregularidades com o uso de CPF de idosos para registrar chips de celulares e viabilizar o envio em massa de mensagens.
Líderes populistas, seus apoiadores e financiadores, tanto no Brasil quanto em dezenas de países pelo mundo, têm desestabilizado a democracia usando as fake news para acabar com seus opositores e com a mídia crítica e para modificar o pensamento e influenciar a decisão de diversos eleitores. Como defender então a verdade na era da pós-verdade quando mentiras e seus apelos à emoção, a crenças e a ideologias têm mais influência em moldar a opinião pública que os fatos objetivos?
Para o jornalista inglês Matthew D’Ancona, autor do livro Pós-verdade: a Nova Guerra Contra os Fatos em Tempos de Fake News, a era da pós-verdade “é uma amostra do que acontece quando uma sociedade afrouxa sua defesa dos valores que sustentam sua coesão, ordem e progresso”. Para o autor “todas as sociedades bem-sucedidas dependem de um grau relativamente alto de honestidade para preservar a ordem, defender a lei, punir os poderosos e gerar prosperidade”. Valores como verdade, honestidade e responsabilização, não surgem espontaneamente na sociedade, criá-los e mantê-los é fruto de decisão, ação e colaboração do ser humano.
Desta forma, o debate sobre o combate as fake news, seus impactos e os mecanismos jurídicos para combatê-las deve ser aprofundado para que sejam tomadas medidas eficazes para combater a epidemia de desinformação que assola o Brasil identificando e punindo os responsáveis. Medidas educacionais também precisam ser tomadas para evitar que um número cada vez maior de pessoas continue sendo manipulado pela desinformação: é preciso ensinar como identificar as notícias falsas, como usar corretamente os sites, que se deve confiar mais em opiniões assinadas que em anônimas e, principalmente, ensinar a diferença entre notícia e boatos, notícias e propaganda e notícias e opinião.
Mais do que nunca, é necessário checar, filtrar e avaliar os conteúdos que estamos consumindo e passando adiante através dos meios digitais e o desenvolvimento dessa prática precisa também estar na escola. Ensinar as crianças a navegar na web com discernimento é urgente. Rumores de WhatsApp não têm nada de benéfico para nós. Golpes e mensagens falsas, informações completamente errôneas difundidas de forma contagiosa não são mera brincadeira ou algo para chamar atenção. São conteúdos perniciosos que podem causar graves repercussões e prejuízos para indivíduos e a sociedade.
Murilo Lima é analista comportamental, coach e especialista em gestão de empresas e empreendedorismo e articulista do Hora News. Possui também formações em desenvolvimento de líderes, desenvolvimento estratégico e gestão da criatividade e inovação. Atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju e mentor voluntário da ONG Projeto Gauss.
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