O jornalismo enfrenta grandes desafios tanto em relação ao modelo de negócios como na contribuição que traz para a sociedade. A audiência dos telejornais e a tiragem dos jornais sofrem quedas acentuadas, efeito que não é compensado pelos canais digitais. Os jornalistas seguem alertando a sociedade para seus múltiplos problemas, e isso é bom, mas estudos indicam que o excesso de negatividade pode ser contraproducente e contribuir para uma sociedade desalentada, radicalizada ou até violenta — e isso é ruim.
A constatação é que a credibilidade do jornalismo é baixa. Levantamento recente mostrou que 61% dos brasileiros têm algum nível de desconfiança em relação ao trabalho da imprensa brasileira e só 16% a consideram “muito confiável”.
A conclusão inescapável é que alguma reforma é necessária, seja para fortalecer o negócio ou dar uma contribuição melhor à sociedade. E essa mudança passa pela superação da ideia de que notícia é “algo que deu errado”. “Se sangra, é notícia”, ou “good news is no news”, como cinicamente avaliamos os fatos.
É cada vez mais inadequado simplesmente mostrar o que está errado e esperar os problemas se resolvam espontaneamente. O jornalismo deve ampliar o seu papel e apresentar também possíveis respostas aos desafios. É o Jornalismo de Soluções, cuja prática avança em muitos países e deve também se enraizar no Brasil.
O jornalismo de soluções enfoca tanto os problemas como possíveis respostas, apresentando uma visão mais completa da realidade e incentivando a participação. Essa preocupação evoluiu desde o “jornalismo cívico”, conceito dos anos 90, para dezenas de iniciativas em todo o mundo, da qual um bom exemplo é a Solutions Journalism Network. A iniciativa surgiu da forte aceitação da coluna semanal “Fixes”, do The New York Times, dedicada a mostrar respostas a problemas sociais. Seus editores, David Bornstein e Tina Rosenberg, decidiram criar uma organização independente com a missão de tornar o jornalismo de soluções um componente cotidiano da profissão. A Solutions Journalism Network oferece treinamentos a jornalistas, organizações de mídia e faculdades, contabilizando 18 mil jornalistas e 300 organizações de mídia envolvidos, além de 30 escolas de jornalismo que usam seus conteúdos.
Tradicionalmente, o jornalismo resiste em considerar as soluções como tópicos de pesquisa. Alguns jornalistas e editores temem que isso possa ser considerado uma ingênua submissão a interesses de relações públicas. Essa mentalidade tem que mudar. O jornalismo de soluções deve seguir os mais elevados padrões da profissão e ser a cobertura meticulosa de respostas aos problemas sociais.
A maneira antiga de pensar é: se cobrirmos as soluções, comprometemos o nosso profissionalismo. A nova forma de pensar: se não cobrirmos as soluções, prejudicamos o nosso profissionalismo. Se não cobrirmos as muitas maneiras pelas quais as pessoas e instituições tentam resolver os problemas, tenham sucesso ou não, não estaremos fazendo bem o nosso trabalho. Não estaremos contando a história toda.
Muitos jornalistas escolhem a profissão para melhorar o mundo, e nada mais óbvio do que mostrar os malefícios. Mas a denúncia não é a única forma de causar impacto. É frustrante para o jornalista que trabalhou tanto sobre um fato verificar que nada mudou depois da publicação. Apontar soluções pode ajudar. Todo educador sabe que não basta escancarar defeitos, é importante mostrar bons exemplos para mudar comportamentos.
Se soluções são apontadas, elas aumentam o envolvimento, fazem as pessoas se sentirem mais poderosas. Pesquisas mostram que as interações são maiores quando soluções são mostradas.
Apontar soluções leva a novas ideias de como superar problemas. O debate público fica mais qualificado. Se uma matéria crítica mostra no contraponto uma comunidade que melhorou uma situação semelhante, o gestor público não poderá dizer: “eu faço o que eu posso”. Com isso, novas políticas públicas são geradas.
A mudança de mentalidade é um grande desafio para a profissão. Os problemas gritam e as soluções sussurram. É fácil mostrar os problemas que chamam a atenção, e dá trabalho encontrar bons exemplos de soluções. Como fazer?
Algumas perguntas ajudam. Existe um ângulo de solução para esta história? Precisamos nos concentrar em mostrar todos os detalhes do último problema ou devemos buscar alguma experiência em que esse problema esteja sendo enfrentado com algum resultado? Alguém está fazendo melhor em outro lugar? Quais são as histórias mais relevantes e valiosas que podemos apresentar ao nosso público? O que está faltando na conversa pública? Onde há inovações relevantes? Qual lugar expandiu o acesso a uma solução? Onde foram instituídas novas políticas bem-sucedidas para resolver um problema? Qual lugar manteve um bom serviço ao mesmo tempo em que reduziu os custos? Que histórias estamos contando só porque sempre fizemos assim?
É importante apontar algum caminho. Dedicar tempo para essa apuração. Basta dar um Google que muitas iniciativas aparecem. Tem muita gente fazendo coisa boa no mundo, há bancos de dados, pesquisas acadêmicas recentes, redes de inovadores, projetos de fundações, ONGs, bons programas públicos.
Aí é fazer o trabalho de repórter, encontrar os personagens que fazem as mudanças concretas, apurar como elas são feitas. O “como” é muito importante no jornalismo de soluções. Só mostrar problemas se tornou insuficiente. Como disse o Dadá Maravilha, um grande jogador do passado: Chega de problemática, a gente quer a solucionática.
Roger Ferreira é jornalista, mestre em Ciências Políticas pela FFLCH-USP e ativista da iniciativa Paz na Mídia.
Comente