Hoje, 15 de agosto de 2020, começa a contabilizar o prazo de “três meses antes do pleito”, que veda inúmeras condutas aos agentes públicos em campanhas eleitorais, com base na Lei 9.504/97. Ontem, 14, os grupos de WhatsApp e redes sociais fervilharam com informações diversas, controversas e até mentirosas sobre o Art. 73 da referida Lei. E o que diz esse artigo?
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: VI – nos três meses que antecedem o pleito: b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, AUTORIZAR PUBLICIDADE INSTITUCIONAL (caixa alta minha) dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.
Em plena era da desinformação pública, circulou um texto no WhatsApp (sem autor ou fonte da publicação) afirmando que “a publicidade institucional (ações e notícias de governo) mesmo as que já estão publicadas, precisam ser retiradas de todas as mídias no dia 14/08/20, até às 23:59 (site, facebook, instagram). Ressaltando: inclusive o histórico de postagens. Prefeitura, Câmara, todos os órgãos públicos municipais. A publicidade institucional é proibida nos três meses que antecedem às eleições, isto é, é proibida a partir de 15/08/20. Não é só. As mídias sociais dos candidatos, como se vê mais abaixo, nos julgados do Tribunal Superior Eleitoral, também não podem divulgar as ações de governo nos três meses anteriores às eleições”.
Nunca li um absurdo tão grande que causou um verdadeiro alvoroço no meio jurídico e entre profissionais de comunicação. Uma leitura simples do item b alínea VI da Lei 9.504 pode-se chegar à conclusão que, em nenhum momento, há qualquer determinação para “apagar” o que já foi feito. A proibição se refere, única e exclusivamente, ao período de três meses. O que foi feito de 1º de janeiro de 2017 a 14 de agosto de 2020 permanece no ar.
E o que vem a ser PUBLICIDADE INSTITUCIONAL vedada pela legislação eleitoral? Nada mais é do que aquele tipo de propaganda que o órgão público paga para ser publicado nos veículos de comunicação. Entre as leis que regulamentam esse tipo de atividade, está o Decreto Presidencial 2.262 de 26 de junho de 1997, que estabeleceu uma nova redação ao Art. 7º do Decreto nº 57.690, de 1º de fevereiro de 1966 (para a execução da Lei nº 4.680, de 18 de junho de 1965). Este Decreto pontua que “Os serviços de propaganda serão prestados pela Agência mediante contratação, verbal ou escrita, de honorários e reembolso das despesas previamente autorizadas”.
Mais recente, em 29 de abril de 2010, a Lei 12.232 estabeleceu as “normas gerais sobre licitações e contratações pela administração pública de serviços de publicidade prestados necessariamente por intermédio de agências de propaganda, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Essa lei tornou obrigatória a contratação de agência de propaganda para a prestação do serviço de criação e veiculação da PUBLICIDADE INSTITUCIONAL, ou seja, aquela feita, exclusivamente, através das agências.
Os perfis de redes sociais e sítios institucionais dos órgãos públicos não são considerados PUBLICIDADE INSTITUCIONAL, mas canais de comunicação diretos com a comunidade. São gerenciados ou ficam sob a responsabilidade direta dos departamentos ou secretarias de Comunicação. São instrumentos focados nas ações de interesse público, como calendários de vacinação, horários de funcionamento dos órgãos públicos, da coleta do lixo, das modificações no trânsito etc. Além disso, as redes sociais tornaram-se um canal direto para que o cidadão possa fazer reclamações e solicitações de serviços, como uma espécie de ouvidoria 24h por dia.
Vale ressaltar que estamos enfrentando uma pandemia e a informação tem sido uma arma na luta contra o novo coronavírus. Os perfis nas redes sociais das prefeituras têm sido bastante utilizados para esclarecer a população das ações de combate e prevenção da COVID-19. Essa situação é tão atípica, que Emenda Constitucional nº 107/20, aprovada pelo Congresso Nacional e que mudou a data das eleições para 15 de novembro de 2020, em seu Art. 1º, § 3º, inciso VIII, estabelece que “no segundo semestre de 2020, poderá ser realizada a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados ao enfrentamento à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva nos termos do Art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.” Ou seja, até mesmo nos três meses que antecedem o pleito, será possível às prefeituras autorizar publicidade institucional, aquela que é paga e veiculada nos veículos de comunicação.
É fácil chegar à conclusão que não há nada na legislação que determine a exclusão ou retirada do ar das páginas nas redes socais e na internet das prefeituras. Lógico que esses canais devem continuar sendo utilizados como instrumentos de comunicação coletiva, de utilidade pública e da prestação de serviços. Em nenhum momento, e isso vale desde o início das gestões, esses ambientes virtuais devem ser usados para promoção pessoal do (a) prefeito (a). Concordo que nesses 90 dias, as equipes de comunicação devem redobrar o cuidado com o conteúdo divulgado, mas vedar a população de importantes canais de informação, em pleno enfrentamento a uma pandemia, por conta de uma interpretação xiita e sem nexo da legislação eleitoral, chega a ser algo insano.
Cícero Mendes é jornalista, publicitário, estrategista digital e atua em campanhas eleitorais desde 2000.
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