A lei conhecida como anticrime sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na véspera do Natal, que cria a figura do juiz de garantias, continua repercutindo positivamente e negativamente na sociedade, principalmente no meio jurídico.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o juiz de garantias no processo criminal é a garantia da imparcialidade do magistrado no processo. Já a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) considera o dispositivo inconstitucional por interferir na autonomia dos juízes.
De acordo com a AMB, há inconstitucionalidades do ponto de vista material e formal no ato normativo imposto pelo Conselho Nacional de Justiça. Segundo a entidade, a resolução é inconstitucional também porque reduz a garantia da livre manifestação de pensamento prevista no inciso IV, do art. 5º, da Constituição Federal.
“Ao dispor sobre as condutas que deverão ser observadas ou vedadas aos magistrados, impondo-lhes uma conduta que nem a lei nem a Constituição estabeleceram”, diz treco da nota divulgada pela Associação dos Magistrados, que entrou com Ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o dispositivo que cria o juiz de garantias.
Para o experiente juiz sergipano Manoel Costa Neto, titular da Comarca de São Cristóvão, a criação da figura do juiz de garantias não é uma ideia tão boa como se propaga. Ele mesmo garante que nunca se sentiu contaminado por ser o juiz que acompanha o inquérito policial até a denúncia do processo feita pelo Ministério Público.
“Não vejo como algo bom. Parte da ideia de que o juiz se contamina com medidas deferidas durante o inquérito policial até a denúncia. Nunca me senti contaminado por isso. Para grandes cidades, será possível implementar. Não foi uma lei feita para o Brasil”, avalia o professor Manoel Costa Neto, que tem vivência na atividade judicial, sendo 12 anos de advocacia, 25 anos de magistratura e 36 anos como professor universitário.
Apesar da autora da proposta do juiz de garantias, deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), afirmar que as investigações que já estavam em andamento não serão afetadas pela medida, o juiz Manoel Costa Neto pensa diferente.
“Embora a deputada piauiense tenha dito que não, como de norma de direito público, vejo como incidente sobre casos em curso”, prevê o magistrado, acrescentando que a medida tende a burocratizar os atos desumanos.
“Não compromete a marcha processual. Burocratiza os atos inquisitoriais. O Judiciário vai ter controle sobre todos os inquéritos que estão nas delegacias”, diz o professor de Direito Processual em entrevista ao Hora News.
A criação do juiz de garantias, na avaliação do professor, foi uma forma encontrada pelo Congresso para repugnar os atos suspeitos do então juiz Sérgio Moro, mas também para proteger o juiz ao enquadramento da Lei de Abuso de Autoridade, já em vigor no Brasil desde o dia 1º de janeiro.
“Com certeza que isso visa repugnar os atos de Moro. Por outro lado, também protege o juiz quanto ao enquadramento na Lei de Abuso de Autoridade que entrou em vigor ontem. Imagine um juiz que decrete uma prisão preventiva e depois absolve o réu? Ficaria passível de ser processado por Abuso de Autoridade. Agora mais não, já que é um juiz que prende e recebe a denúncia, e outro que processa e julga”, afirma o magistrado.
Manoel Costa Neto, no entanto, acredita que a nova norma jurídica tende a piorar para delinquentes comuns e até mesmo para os praticantes dos crimes de colarinho branco.
“Acho que pode até piorar para os delinquentes comuns ou de colarinho branco. Em São Paulo já existe uma Central com vários juízes que decidem sobre as medidas no inquérito policial. Agora estarão mais resguardados contra a Lei de Abuso de Autoridade. Vejo essa lei como proteção à magistratura”, admite, salientando que chegou a ter medo quanto à rigidez da Lei de Abuso de Autoridade.
“Confesso que fiquei temeroso quanto à Lei de Abuso de Autoridade. Quantos juízes decretavam medidas ríspidas e até prisões, e que ficavam na “obrigação” de receber a denúncia para respaldar seus atos?”, questiona o juiz.
Segundo Manoel Costa Neto, a criação da figura do juiz de garantias deverá gerar uma grande despesa com a nomeação de praticamente o dobro de juízes e juízas nas Comarcas brasileiras.
“Vejo que vai gerar uma enorme despesa com a nomeação de quase o dobro de juízes. Fala por comarcas grandes, esquece o resto do país. Como será no Amazonas, cidades de 15 mil habitantes, que exigem dois dias de barco para ter dois juízes? Toda Comarca vai precisar de dois juízes. No país inteiro, 80% das Comarcas tem apenas um juiz. Impossível não ter gasto imediato”, enfatiza o professor de Direito.
A preocupação de Manoel Costa Neto é exemplificada em casos de Comarcas sergipanas que têm apenas um juiz. Ele cita a própria experiência dele na Comarca de São Cristóvão.
“Vamos dar um exemplo de São Cristóvão: há um competentíssimo juiz criminal, que não vai atuar na fase do inquérito. Provavelmente serei eu, como substituto, a vigiar o inquérito policial e receber a denúncia. Se for o titular, será impedido de processar e julgar. Vou virar juiz criminal forçosamente. E o que faço dos 2.400 processos cíveis?” indica o juiz, que cita ainda outra realidade sergipana e de outros estados.
“O juiz de Poço Redondo vai precisar do juiz de Canindé do São Francisco, e assim por diante. Em Sergipe, porque as distâncias são pequenas, se dará um jeito. E Bahia, Pará, Amazonas, etc… Em que ajuda? Parte da ideia de que o juiz se contamina com decisão judicial cautelar? Fosse assim, no Civil o juiz que desse uma tutela antecipada seria impedido de processar e julgar. É o mesmo raciocínio. Não vejo ajuda alguma. É colocar sempre a pecha de que o juiz julga pela emoção, com parcialidade, e não pela razão e justiça”, reforça Manoel Costa Neto.
A figura do juiz de garantias foi incluída pela Câmara dos Deputados no projeto de lei batizado de projeto anticrime, produzido pelo ministro Sérgio Moro, titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Por Paulo Sousa
Foto: Divulgação
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