Saúde nas Entrelinhas – Todo mês de outubro é extremamente agitado para nós mastologistas. Com a campanha Outubro Rosa, inúmeras mulheres se sentem encorajadas a realizar seus exames, a pensar em cuidar de suas mamas e tomam coragem até de se tocar. Sim, o autoexame é um tabu para inúmeras mulheres que sentem extremo desconforto em tocar em suas mamas.
Esse ano, como dito em nosso texto anterior, decidimos não focar em mamografias, mas sim em biópsias, grande gargalo que retém inúmeras mulheres ao acesso para serviços especializados em oncologia. Nossa campanha em parceria com o movimento Mulheres de Peito e o Hospital Cirurgia começou na última semana de setembro e têm nos trazido uma experiência nunca antes experimentada.
A Mamografia
Sou fã da mamografia, ao mesmo tempo tenho inúmeras críticas a ela. Acredito que cabe a nós médicos entender o valor e os defeitos de qualquer ação em saúde. Estudos americanos e europeus evidenciam que dentro de um programa de rastreamento mamográfico, a realização da mamografia anualmente pode diminuir em até 50% a mortalidade por câncer de mama. Repito, nos Estados Unidos e na Europa. Lá, mulheres recebem cartas de convocação para realização de exames na época de seu aniversário. Lá, seus dados são armazenados em modernos softwares de coleta de dados que cruzam informações. Lá existem programas de rastreamento, diagnóstico e tratamento que se conversam. No Brasil, não.
Por aqui, a grande maioria das mulheres faz a mamografia que chamamos de “oportunística”, realizada somente quando há oportunidade de fazer, seja por meio de carretas, campanhas ou o próprio SUS, quando consegue honrar seu compromisso na saúde básica.
Caroço na Mama
A Organização Mundial de Saúde preconiza que 75% das mulheres em idade de fazer mamografia devem realizar o exame para podermos dizer que o rastreamento funciona. No Brasil são menos de 20%, ou seja, de cada 100 mulheres que deveriam realizar mamografia, somente 20 fazem. O que isso quer dizer? Quer dizer que em saúde pública no Brasil não temos como dizer se mamografia reduz mortalidade ou que desempenha qualquer papel no diagnóstico precoce. Segundo INCA, 90% das pacientes que se apresentam ao serviço terciário, já possuem nódulo palpável, o famoso “caroço” na mama. Se essa é nossa realidade, é em cima dela que devemos trabalhar.
O Câncer
Câncer só é câncer quando qualquer paciente oncológico é submetido a uma biópsia que confirma o diagnóstico. A partir desse momento, com o papel na mão, o paciente consegue entrar no serviço terciário para tratamento. Antes disso, é só angústia e medo.
A Biópsia
Pela primeira vez abordamos em uma campanha a importância da biópsia, não da mamografia, no contexto do diagnóstico. Se hoje a maioria das mulheres se apresenta com nódulos papáveis, pouco está servindo a mamografia.
Aí vem a primeira grande lição. Falamos tanto em mamografia de forma isolada que a grande maioria da nossa população acredita que a mamografia previne o câncer de mama ou ela mesmo dá o diagnóstico. Nessas duas semanas onde ofertamos biópsias, recebemos perguntas como: A partir de que idade realizar a biópsia? ou: Como reduzir a mama através da biópsia? Nossas mulheres em geral não tem a menor ideia do que é esse procedimento e que é ele que dá o diagnóstico de câncer e não a mamografia isolada.
Está bem claro que a desinformação é muito pior do que imaginávamos e que grande parte das mulheres que precisam de biópsia não tem ideia do que ela seja. “Só estou com esse pedido do médico esperando”. É tudo que grande parte delas entendem. Esperando… Nem sabem o quê.
Triste perceber que em mais de 500 anos, todas as políticas têm investido na ignorância e essa seja talvez a doença mais prevalente do Brasil. Educação é a maior bandeira que precisamos vestir. Com a pandemia e a greve eterna de professores que não se valorizam e não entendem como são importantes, a ignorância e a manipulação só tendem a aumentar. Dois anos sem aulas, é o que a maioria das crianças está experimentando. Mas não vamos desistir, vamos seguir juntas e vamos conseguir.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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