Saúde nas Entrelinhas – Hospitais lotados. Ultrapassamos o limite e já vemos listas de espera para vaga de UTI e internação. Alguns irão conseguir, outros infelizmente padecerão na fila. Olhando para trás chego a sentir vergonha de não termos aprendido nada e termos chegado a esse ponto sem nenhuma inovação no enfrentamento da Covid 19. O ano parece 2020 com alguns requintes de crueldade, mais doentes, mais mortes, mais filas, mesma gestão.
Algo me chamou a atenção. Pela primeira vez estão na mesma fila o pobre e o rico. O quem plano de saúde e o usuário do SUS. Aceitar essa situação não é fácil. Não adianta vir com a carteirinha do convênio e dizer que seu plano dá direito a quarto individual. Não há quarto individual. Quartos viraram enfermarias, enfermarias viraram UTI e não tem credencial política ou financeira que consiga mudar isso.
Cultura política
O Brasil carrega uma forte cultura política de privilégios. Desde a chegada de Dom João VI que trouxe na bagagem uma enorme corte ociosa formou-se um sistema político e uma cultura de privilégios e desigualdades. Quando assumi cargo de gestão ainda em São Paulo, vivi isso na pele. Em uma fila de pacientes aguardando vaga de UTI (em cenário sem pandemia) não era raro receber ligação de algum político pedindo para passar conhecidos na frente.
Minha articulação sempre falhou nessa questão e em todas as vezes convidei o legislador a visitar a unidade para conhecer a realidade do serviço e que ajudasse a transformá-la para todos os usuários não só o seu conhecido. Um foi, e o admiro até hoje. Tentou consertar mas o sistema nos bloqueou. Essa postura de favorecimento é cultural e tão assimilada que é considerada normal. Não, não é normal e precisou de uma pandemia para mostrar isso. Você pode ser quem quiser, dessa vez, somos todos iguais.
Sem Sentido
Enquanto alguns tentam furar a fila no pior momento da rede de saúde, a gestão resolve flexibilizar as medidas de restrição de circulação de pessoas. No mesmo dia que assume que o sistema esgotou, diminui o toque de recolher. Não que eu seja a favor dele neste modelo, mas dentro de uma lógica, me esforço para entender as decisões que estão sendo tomadas. O pavor da superlotação do sistema de saúde é a calamidade que motivou todas as ações “preventivas” que foram tomadas, e no seu pior momento são flexibilizadas ?
Fique em casa
Os decretos funcionam como um aval paternal para o direcionamento da postura da sociedade. Se o decreto me deixa sair, vou sair poque é seguro. Atenção, nunca tivemos uma carga viral circulante tão alta e nunca tivemos um momento econômico tão delicado. A balança do sair ou ficar, do abrir e fechar tem que ser muito bem avaliada. O comércio esmagado tenta sobreviver e as pessoas desesperadas por um minuto de nostalgia de uma vida que nunca mais será a mesma querem sair. Quando sair lembre-se, não tem vaga em Hospital.
O milagre da vacina
Enquanto aguardamos o milagre da vacina, temos alguns sinais que ela realmente esta mudando a história natural da doença. Um estudo realizado em Minas Gerais mostrou que as mortes por Covid em pacientes com mais de 90 anos caiu 66 % após a vacinação. É um dado que traz esperança que talvez consigamos algum êxito se a vacinação for rapidamente ampliada para os demais grupos e as demais faixas etárias. Seguimos todos juntos, igualmente afetados, esperando por algum sentido ou algum milagre.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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