Fim da jornada 6×1: uma questão de justiça social e eficiência econômica

Trabalho é meio de vida, não de exaustão. A extenuante jornada de trabalho 6×1 é herança de um modelo ultrapassado. O trabalho dignifica, mas não deve escravizar.

A jornada 6×1 – seis dias de trabalho para apenas um de descanso – ainda é a regra no Brasil, prevista no art. 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde 1943. No entanto, à luz da Constituição de 1988, das transformações sociais e dos estudos sobre saúde mental e produtividade, essa jornada está obsoleta.

Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 8/2025, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe o fim da jornada de trabalho 6×1 no Brasil. A proposta estabelece uma jornada de quatro dias por semana, com até 8 horas diárias e 36 horas semanais. A PEC foi protocolada na Câmara dos Deputados em 25 de fevereiro de 2025, após obter o apoio necessário de 171 parlamentares para iniciar sua tramitação.

A redução da jornada de trabalho não é apenas um avanço humanitário. É também uma estratégia de modernização econômica, de promoção da saúde pública e de valorização do trabalho em sua dimensão mais humana.

A jornada 6×1 surgiu num tempo em que o trabalho era essencialmente manual, pesado e excludente. O descanso dominical era, na prática, a única concessão à exaustão física. No entanto, o Brasil do século XXI exige uma nova lógica, que considere o trabalho como parte da vida, não o centro absoluto dela.

Essa jornada de trabalho naturaliza o cansaço crônico, dificulta o convívio familiar, reduz o tempo de recuperação física e mental, e prejudica, inclusive, a produtividade no médio e longo prazo. Em outras palavras: trabalha-se mais, mas se produz menos.

O Brasil precisa dar um passo decisivo rumo à modernidade. O mundo caminha para o equilíbrio.

Diversos países desenvolvidos já adotam jornadas de cinco dias úteis com dois dias de descanso consecutivos, e colhem benefícios econômicos e sociais:

• Alemanha: jornada semanal de 35 a 40 horas, com dois dias de descanso. É uma das maiores potências industriais do mundo.
• França: 35 horas semanais desde 2000, com alto índice de produtividade por hora trabalhada.
• Países Nórdicos: experimentos com semanas de 4 dias de trabalho vêm demonstrando aumento de produtividade, redução do estresse e melhora da saúde mental.
• Chile: recentemente reduziu a jornada de trabalho de 45 para 40 horas semanais, com objetivo de ampliar o tempo de descanso e convivência.

Esses dados desmontam o mito de que “mais horas trabalhadas” significam “mais desenvolvimento”. A equação real é: melhores condições de trabalho geram mais motivação, saúde, inovação e produtividade.

A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. E no art. 7º, incisos XIII e XV, asseguram a limitação da jornada de trabalho e o repouso semanal remunerado como direitos fundamentais.

Trabalhar seis dias seguidos, especialmente em jornadas longas e desgastantes, fere diretamente esse princípio. O movimento contra a jornada 6×1 é, portanto, uma luta pela dignidade, pela saúde mental, pelo direito ao tempo livre e à convivência familiar. O descanso não é luxo. É condição mínima de existência plena.

Reduzir a jornada para, ao menos, cinco dias e garantir dois dias de descanso não diminui a competitividade econômica, ao contrário, estimula a produtividade e fortalece o consumo interno, pois milhões de trabalhadores com mais tempo e energia consomem mais e movimentam a economia nacional.

Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que o excesso de horas trabalhadas leva à queda de produtividade e ao aumento de doenças ocupacionais, com impacto direto sobre os gastos públicos em saúde e previdência.

Defender o fim da jornada 6×1 é defender uma nova cultura do trabalho no Brasil, mais humana, mais eficiente e mais justa.

É reconhecer que o trabalhador não é uma máquina de produção, mas um sujeito de direitos, que precisa de tempo para viver, conviver, criar, descansar e crescer.

O Brasil precisa escolher: insistir num modelo exausto ou caminhar com o mundo rumo a mais dignidade, saúde e desenvolvimento.

O fim do 6×1 não é um privilégio. É um passo necessário de justiça social e inteligência econômica.


Henri Clay Andrade é advogado e ex-presidente da OAB Sergipe.

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