Os últimos anos nos testaram de muitas maneiras. Uma pandemia, surtos de teorias da conspiração, notícias falsas, superstições, desinformação e pensamento mágico. A promessa de uma economia que iria crescer, mas entrou em colapso. Agitação civil. Líderes autoritários. Cristãos cometendo ou racionalizando pecados graves, se envolvendo em erros terríveis. Desastres naturais. Desastres causados por descaso e negligência. Crises lentas, dolorosas e sem fim.
Temos sido expostos a pressões extremas. Homens crueis e incapazes estão causando a morte de centenas de milhares. Homens e mulheres estão lutando incansavelmente para salvar vidas. Algumas pessoas radicalizaram, outras se tornaram apáticas e descrentes. Alguns engordaram e ficaram preguiçosos, outros trabalharam mais do que nunca e se sobrecarregaram além do limite. Muitos perderam sua fonte de sustento, a esperança e a fé. Máscaras caíram, líderes e governantes nos decepcionaram.
442 mil brasileiros foram mortos pela covid-19 até o momento. 52,7 milhões de brasileiros vivendo na pobreza ou na extrema pobreza (72,7% destas, pretos e pardos). Quase 100 milhões de caixas de medicamentos controlados para ansiedade e para dormir vendidas em 2020. (17% a mais na comparação com 2019).
Mais de 8 mil quilômetros de floresta foram destruídos somente entre janeiro e dezembro do ano passado. (Uma área cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo).
A cada 46 minutos alguém tira a própria vida no Brasil. O suicídio é a terceira causa de morte de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos.
Todos os dias, uma nova crise, um novo escândalo, uma nova provocação, mais más notícias: fome, mortes, dor, pragas, abusos, violência, caos, disfunção, corrupção, decadência.
Mas o Papa convocou uma maratona de preces e pelo segundo ano consecutivo, o presidente convocou jejuns e orações. 34 pastores de diferentes igrejas evangélicas endossaram o pedido classificado como a “proclamação santa” do “chefe supremo da nação”. Liderados por homens com sangue nas mãos, que veem a si mesmos como Messias, mas que não conhecem a Deus, exploram os brasileiros e fazem das religiões organizadas nada mais que uma forma de política, estes hipócritas, falsos cristãos e falsos profetas nos dizem para implorar e esperar a salvação que virá do céu. Façamos promessas e genuflexões, realizemos sacrifícios, entoemos rezas, pratiquemos rituais e conjurações.
E a sociedade cuja mentalidade predominante é a do “eu sou melhor do que você”, que acredita que é possível ganhar tudo no grito, que cultua a violência e agressividade, que acredita que “o mundo tem que me servir e a natureza que se exploda” que acredita que a arte, a ciência, a educação são bobagens, que insiste no preconceito e na discriminação, que despreza e maltrata a infância, que diz colocar Deus acima de tudo, mas demonstra com palavras e ações o contrário, corre choramingando para o Pai e clama esperando que, num passe de mágica, Ele resolva todos os problemas.
É natural das crianças esperar e acreditar que os pais podem tudo. Mas nesta hora em que a morte ameaça a vida, não podemos mais esperar por Deus. Não podemos nos dar a este luxo. “Não há mestres espirituais na Terra nesta hora de provas, que é semelhante à hora de exames numa escola do mundo”, afirma o jornalista, filósofo, educador, escritor e tradutor Herculano Pires.
Há milhares de anos estamos orando, orando, orando e o que aconteceu? A violência, as injustiças, o egoísmo, as guerras, todos os males que assolam a humanidade continuam aí. Serão apenas as orações que poderão trazer paz para a sociedade, paz para o mundo? Quem criou os problemas que enfrentamos? Jesus? Buda? Se a violência, a injustiça, as desigualdades tivessem sido criadas por Deus, poderíamos apelar para Ele, mas nós as criamos! Os problemas são nossos. É nossa responsabilidade resolvê-los. Este é o fim da infância da humanidade.
O filosofo estoico Sêneca diria que a adversidade é o fogo que forja o ouro. É o fogo também que testa se o ouro é verdadeiro ou falso. Se queremos nos tornar seres humanos mais evoluídos e inteligentes, ser capazes de avançar como um coletivo global em relações menos destrutivas uns com os outros e com o meio ambiente, se queremos salvar o mundo e a nós mesmos de nossa perdição na loucura das ambições desmedidas é nossa responsabilidade resolver os problemas que nós mesmos criamos.
Não se trata mais de crer nisto ou naquilo, de pertencer a esta ou àquela religião. Não podemos mais viver no tempo das religiões de tradição, do misticismo irracional, ignorante, alienante, piegas e salvacionista. Religiões que prometem salvação em termos de dependência a seus princípios contraditórios e absurdos, seitas ingênuas pastoradas por criaturas audaciosas e broncas, ainda subsistem graças a ignorância de massas incultas e ao prestígio social, político e econômico que conseguiram se lambuzando na corrupção, volúpia e vaidade.
Deus não é cristão, Deus não é judeu, Deus não é muçulmano. Gautama Buda não era parte de nenhuma religião organizada; Mahavira e Jesus também não. Eles eram buscadores individuais.
Cada vez que um homem descobriu a verdade na história da humanidade, imediatamente foi cercado por sacerdotes que começam a compilar suas palavras, a interpreta-las, e a deixar claro para as pessoas que quem quisesse conhecer a verdade teria de ser através deles, os representantes de Deus. A religião autêntica é sempre individual pois no momento em que a verdade é organizada, ela morre: torna-se doutrina, uma teologia, uma filosofia, não é mais uma experiencia. A experiência da espiritualidade ocorre individualmente e espiritualidade é perdão, leveza, flexibilidade, bom humor, alto astral, alegria, criatividade, trabalho em equipe, higiene do espírito, cirurgia moral.
Acredito que estamos todos em uma viagem interminável através da eternidade. O tempo que passamos aqui é breve. Viemos para o mundo para aprender, evoluir e expandir nossas capacidades morais e intelectuais. Chegamos no meio do filme da vida e podemos sair de cena a qualquer momento. Não escolhemos a hora. O que temos, deixaremos. Levaremos apenas o que somos.
Somente a verdade, o amor e a justiça poderão expulsar do mundo o ódio, o medo, a violência e maldade que nos fazem constantemente voltar a uma animalidade primitiva. Do outro lado dessa experiência coletiva que estamos vivendo há um veredicto, uma declaração sobre quem somos e do que somos capazes. Crianças ou adultos? Homens ou vermes?
Os últimos anos têm sido de provações, estamos cedendo e fugindo? Transferindo a responsabilidade que é nossa para Deus? Estamos à altura da ocasião que estamos vivendo? O fim da infância nos traz adversidades, mas também nos traz aprendizados. Estamos assimilando as lições? Como nos classificamos na escola da vida? Onde poderíamos ter feito melhor? Estamos prontos para um futuro mais complexo e desafiador, mas que também poderá ser mais gratificante?
Não sobrecarreguemos Deus com nossos problemas, trabalhemos duro para resolvê-los. Não somos mais crianças.
Murilo Lima é professor, analista comportamental e articulista do Hora News. Especialista em gestão de empresas, atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju. Seus textos refletem criticamente sobre a relação do homem com a tecnologia e a espiritualidade.
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