Saúde nas Entrelinhas – Quem aprecia uma boa leitura entende como escrever é uma arte mesmo que arte não tenha uma definição precisa.
Humberto Eco em seu livro “A Definição da Arte” discorre sobre o conceito estético de comunicar reforçando o não Absoluto como sua principal característica, o poder da arte como “uma forma de atividade que estabelece uma relação dialética com outas atividades, interesses e valores”.
Pelo existir absolutamente subjetivo da arte, pode-se amá-la ou criticá-la, devanear sobre ela e interpretar seu significado sob a ótica de cada leitura individual construída pelo olhar singular da consciência de cada um.
Assim começo meu ano. Após alguns meses ausentes de meus textos presa na roda interminável do tempo, a última semana me fez voltar.
Os dois anos que se passaram foram ensandecidos para apreciadores da arte entendendo que dela absorvemos informações e interagimos com o mundo social ao nosso redor. Palavras sem sentido, argumentos desconexos, inferências rasas e discursos vazios.
A arte da comunicação social foi esmagada pela antiarte, não o movimento que surgiu na década de 60 como um olhar dinâmico sobre a arte, mas a capacidade humana de destruir a beleza e a harmonia do uso de palavras para causar o caos, a desordem, a insensatez e a insanidade em uma dialética desconstrutiva de mão única onde não se pode criticar ou elogiar porque seu formato não aceita dupla interpretação. É simplesmente surreal.
Não tem como ser artista em um mundo sem arte. Assim me senti por longos meses até padecer da mais nova moda biológica. O vírus influenza H3N2 me derrubou alguns dias, mas não imaginava que por causa dele entraria no jogo novamente.
Ele me deu tempo para encontrar o que eu precisava para entender a arte da antiarte.
Não adianta admirá-la de frente, ela tem que ser vista de cima. O ângulo de sua beleza é reto. A grande nave-mãe anda em círculos e nos traz sempre ao mesmo lugar independente das nossas pífias preocupações. A percepção cataclísmica que a COVID19 inspirou colocou uma humanidade inteira dentro da nave enxergando de frente que não vamos a lugar nenhum. Considerando que dentro da mente humana não há nada mais desolador que a falta de perspectiva, entendo agora a criação histérica da antiarte.
Quanto menos informação, menor o sofrimento. Quanto mais irrelevante o acontecimento, mais leve fica o existir. Quanto mais poder se tem, menos insignificante se sente. Quanto mais basbaque, menos vulnerável. A realidade é subjetiva, criou-se uma nova.
Estamos vivenciando um momento nunca antes experimentado onde a pandemia de um vírus potencialmente mortal transformou a arte inerente a cada humano em uma capacidade de criar mecanismos individuais de fuga da realidade. A consequência disso é o que vemos ao olhar para os lados ou para frente. Falta de sentido, de beleza, de troca, de ideias, de brilhantismo, de coesão. Mentes retraídas, focadas no mínimo, se protegendo da certeza do incerto.
A sociedade está doente.
Essa “condição” é irreversível?
Cito a epígrafe do Livro “O Imperador de Todos os Males” de Siddhartha Mukherjee escrita por Susan Sontag:
“A doença é a zona noturna da vida, uma cidadania mais onerosa. Todos que nascem tem dupla cidadania, no reino dos sãos e no reino dos doentes. Apesar de todos preferirmos só usar o passaporte bom, mais cedo ou mais tarde nos vemos obrigados, pelo menos por um período, a nos identificarmos como cidadãos desse outro lugar”.
Acredito que a arte se reestabelecerá.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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