Saúde nas Entrelinhas – Já estamos todos estafados de falar, ouvir e viver a COVID19. Já passamos por todos os momentos desde estresse emocional, vulnerabilidade financeira e para muitos, o enlutamento. Quando um eventual respiro aparece, comemoramos com filmagens e posts de UTIs COVID sendo fechadas, equipes inteiras comemorando e a sociedade se sentindo livre outra vez.
Queríamos acreditar que a guerra havia sido vencida, mas tudo que passamos foi só uma batalha como aquelas do século 19 onde após longas campanhas o exército exaurido encontra novamente o oponente. Sim, ele está bem na nossa frente, forte, engrandecido e mais maduro, e nós vendados, presos entre quatro paredes.
A gestão
Seguimos a espera de um líder. Em um primeiro momento o então ministro Luiz Henrique Mandetta assumiu esse papel. Com seu colete preto assumiu o SUS no peito e nos fez acreditar que passaríamos por isso com um comandante a altura. O comandante não fechou aeroportos e não criou barreiras deixando o inimigo entrar. Obviamente a postura negacionista do alto executivo prejudicou medidas mais radicais e expôs as nossas fronteiras de maneira quase que convidativa. Uma vez dentro, ambiente perfeito.
Veio Nelson Teich, técnico, administrador habilidoso, nos encheu de esperanças por um mês, período suficiente para entender que o Brasil não é para técnicos, só para políticos. Desde lá o especialista em logística se esforça para correr na esteira e esconder a tragédia administrativa que é a guerra contra a COVID19: em um ano mais de 250.000 mortes e mais de 10 milhões de infectados.
A Vacina
Seguindo o roteiro da traginovela, a vacina chegou. Atrasada, sem publicação científica e com autorização para uso em caráter emergencial a Coronavac é a maior prova que um especialista em logística, sozinho não entrega nada. Eu pessoalmente não posso reclamar. A vacina já chegou a mim e a inúmeros trabalhadores da área da saúde, mas ainda estamos muito aquém dos 70% da população que é preciso imunizar para frear a epidemia. Muito aquém, beirando o impossível. Falta de insumos, dificuldade na produção, idosos extremos internados, desvio de doses, prefeitos passando na frente da população. A vacinação no Brasil não pode ser chamada de nada além de bizarrice.
A Sociedade
Fatigados pelo stress e pela ansiedade, a sociedade entrou em algo que parece um delírio de negação coletivo. A pandemia simplesmente não existe. Com uma máscara suja no rosto (quando muito) a galera caminha pelos centros, pelas lojas, se reúne em bares, festas e restaurantes. Auxílio emergencial, pensão, aposentadoria. Bravo é aquele que tem coragem de enfrentar as longas filas dos bancos, aglomeração atrás de aglomeração. Limite de evento em 150 pessoas, menos na sala de embarque do aeroporto onde cerca de 6 vezes por dia quase mil pessoas no total se aglomeram para entrar em aviões. Brincando com fogo e fazendo de conta que nada acontece, estamos nos preparando para ser o alvo mais fácil da história da humanidade.
O Vírus
Na frente, fechando o cerco, está o Sars-Cov-2 e suas variantes. Sim eles mutam, eles variam, eles se especializam principalmente quando encontram uma enorme diversidade de hospedeiros. Quanto maior a população contaminada, maior o risco de mutação. Essa nova “onda“ parece que vem diferente. Na nossa vivência, mais pacientes graves, mais mulheres, mais jovens. Necessários mais leitos de UTI, maior suporte hospitalar. O Vírus se preparou, nós não.
A junção destes quatro grandes fatores vislumbra um futuro próximo nada animador. Medidas emergências e extremas como lockdown e toque de recolher saem do bolso como únicas opções, mas não possuem em seu currículo nenhum estudo a favor. Teríamos que diminuir a circulação de pessoas e estimular o afastamento com seriedade e comprometimento tanto do governo quanto da sociedade. Como não contamos nem com um nem com outro, assistiremos (ou não), a mais uma grande tragédia.
Até semana que vem, se Deus quiser.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
Comente