É possível educar crianças na Pandemia?

Desde meados de março e abril, as escolas nunca imaginaram passar por um desafio tão grande. Crianças e pré-adolescentes em processo de alfabetização e introdução ao aprendizado socioeducativo encontraram uma grande muralha que os confinaram em suas casas e os privaram daquilo que é fundamental no processo de aprendizagem: o afeto e a vinculação entre professor e alunos e entre os próprios colegas.

Longe de dizer qual a melhor aplicação pedagógica a ser aplicada, a psicologia e a psicanálise estão voltadas para o estudo do comportamento humano e um fato é primordial: não se aprende se não houver ligação e amor entre quem ensina e quem aprende. Mas cabe uma diferenciação ainda. Aprender para a psicanálise é ser capaz de introduzir a nova informação ou conhecimento dentro das suas experiências de vida gerando vínculos afetivos e ampliando o pensamento trazendo como consequência mais recursos para observar e transformar o seu mundo e o mundo ao seu redor. É diferente de memorizar informações, conteúdos e fórmulas.

Eis que por isso temos um desafio imensurável. As escolas tentando suprir a falha que a pandemia trouxe, tentou incluir os pais como agentes transformadores e promotores do processo educativo escolar, mas os pais também não foram preparados para isso e também estão sobrecarregados em promover adaptações para sua vida profissional e familiar. Estão exaustos com a mudança de rotina, de ter que cuidar dos filhos em tempo integral, trabalhar mais que as oito horas diárias que dariam em ambienta laboral e o principal: o sofrimento em estar vigilante todo o tempo para higienizar tudo e não contaminar-se nem contaminar ninguém de sua família.

Estamos em um mudo desamparado e despreparado para a solidão e prisão domiciliar que a COVID-19 nos obrigou a ter e que as crianças, principalmente as menore, não entendem e muitas acabam confundindo cuidado com punição. Além disso, percebem o medo e a insegurança dos adultos e sofrem com isso juntamente com a capacidade de uma compreensão global do problema, pois explicações racionais não as convencem.

A educação dos pais é muito importante, mas é diferente da educação escolar que precisa repensar, mais do que nunca formas criativas de manter o aprendizado não somente diante de uma televisão. Um grande psicanalista de terceira geração, Bion, nos diz que a frustração é um grande agente potencializador da criatividade e do desenvolvimento se vier acompanhado pelo afeto e pelo amor. Acho que estamos passando por esse grande teste social.

Pais e educadores devem trabalhar juntos, mas a escola não deve delegar suas funções para a família que já está com grandes desafios a serem superados e reencontrar essa nova rotina familiar, a regressão de comportamento de seus filhos, a falta de paciência com a nova dinâmica, o aumento de cobrança do trabalho juntamente com o medo de demissão se as ordens não forem cumpridas, além do medo maior de perder pessoas queridas se é que já não perderam.

Cabe à escola se reinventar nesse modelo de educação remota que difere do sistema EaD (Ensino de Educação à Distância) que possuem objetivos distintos. Consultar psicopedagogos, pais, psicólogos, psicanalistas, gestões de tecnologia da informação, professores e, principalmente ouvir as próprias crianças como elas acham que seria “mais legal” aprender é a fórmula para superar a crise. Não é fácil, não é fácil, prende toda uma reestruturação do planejamento pedagógico, mas sairá na frente quem estiver aberto para novas possibilidades e se beneficiar da criatividade, advinda de um brainstorm coletivo para que o sofrimento da aprendizagem da pandemia, possa se tornar algo mais divertido e leve ao invés do que mais ouço em consultório? ”Meu filho sempre diz: ‘ah, mãe, não aguento mais aquela aula chata que a tia fica falando e fica pedindo pra gente falar também’ e eu, Petruska, não sei mais o que fazer”.

Assim como ouço, sugiro que as escolas possam também ouvi-las, mas ouvi-las de verdade e aos seus filhos abertamente. Sem julgamentos como todo brainstorm (tempestade de ideias traduzindo “ao pé da letra” uma técnica de gestão administrativa). Acredito que as respostas e as novas ideias virão com mais facilidade. Não critique antes de experimentar. Que tal tentar?


Petruska Passos é psicóloga, psicanalista e colunista colaboradora do Hora News sobre Comportamento e Saúde.

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