É possível educar as crianças na pandemia?

Desde meados de março, as escolas nunca imaginaram passar por um desafio tão grande. Crianças em processo de alfabetização e introdução ao aprendizado socioeducativo, bem como os adolescentes, encontraram uma grande muralha que os confinaram em suas casas e os privaram daquilo que é fundamental no processo de aprendizagem: o afeto, a vinculação entre professor e aluno e a convivência diária com os próprios colegas e amigos.

Longe de dizer qual a melhor aplicação pedagógica a ser adotada, a Psicologia e a Psicanálise estão voltadas para o estudo do comportamento humano e um fato é incontestável: não se aprende, se não houver ligação e amor entre quem ensina e quem aprende. Mas cabe uma diferenciação. Aprender, para a Psicanálise, é ser capaz de introduzir a nova informação ou conhecimento em experiências de vida, o que pode gerar vínculos afetivos e ampliar o pensamento, trazendo como consequência mais recursos para observar e transformar o seu mundo e o mundo ao seu redor. É diferente de memorizar informações, conteúdos e fórmulas.

Eis que, por isso, temos um desafio imensurável. As escolas, a fim de suprir a falha que a pandemia trouxe, tentou incluir os pais como agentes transformadores e promotores do processo educativo escolar, mas os pais não foram preparados para a tarefa e também estão sobrecarregados, tentando promover adaptações para sua vida profissional e familiar. Estão exaustos com a mudança de rotina, de ter de cuidar dos filhos em tempo integral, trabalhar mais que as 8 horas diárias que cumpririam em ambiente laboral e o principal: o sofrimento que é estar vigilante todo o tempo, para higienizar tudo e não contaminar-se nem contaminar ninguém da família.

Estamos em um mundo desamparado e despreparado para a solidão e a prisão domiciliar que a COVID-19 nos obrigam a enfrentar e onde as crianças, principalmente as menores, não entendem, e muitas acabam confundindo cuidado com punição. Além disso, percebem o medo e a insegurança dos adultos e sofrem juntamente com a incapacidade de uma compreensão global do problema, pois explicações racionais não as convencem.

A educação dos pais é muito importante, mas é diferente da educação escolar, que precisa repensar, mais do que nunca, formas criativas de manter o aprendizado não somente diante de uma televisão ou tela de computador. Um grande psicanalista de terceira geração, Wilfred Bion, nos diz que a frustração é um grande agente potencializador da criatividade e do desenvolvimento, se vier acompanhada pelo afeto e pelo amor. Acho que estamos passando por um grande teste social.

Pais e educadores precisam trabalhar juntos, mas a escola não deve delegar suas funções para a família, que já está com grandes desafios a serem superados para reencontrar uma nova rotina familiar, e encara a regressão no comportamento de seus filhos, a falta de paciência com a nova dinâmica, o aumento de cobranças no trabalho somado ao medo de demissão se as ordens não forem cumpridas, além do medo maior de perder pessoas queridas – se é que já não perderam.

Cabe à escola se reinventar nesse modelo de educação remota que difere do sistema EaD (Educação a Distância), pois ambas possuem objetivos distintos. Consultar psicopedagogos, pais, psicólogos, psicanalistas, gestores de tecnologia da informação, professores e, principalmente, ouvir as próprias crianças e adolescentes para saber como acham que seria “mais legal” aprender são as fórmulas para superar a crise. Não é fácil, não é fácil, exige toda uma reestruturação do planejamento pedagógico, mas sairá na frente quem estiver aberto para novas possibilidades e conseguir se beneficiar da criatividade, advinda de um brainstorming coletivo, para que a aprendizagem da pandemia possa se tornar mais divertida, e leve  a outros resultados diferentes do que mais ouço em consultório: “meu filho sempre diz ‘ah, mãe, não aguento mais aquela aula chata que a tia fica falando e fica pedindo pra gente falar também’ e,  Petruska, eu não sei mais o que fazer.”

Assim como ouço, sugiro que as escolas possam também as ouvir, mas ouvi-las de verdade e aos seus filhos, abertamente. Sem julgamentos, como todo brainstorm (tempestade de ideias, traduzindo “ao pé da letra” uma técnica de gestão administrativa que busca explorar a capacidade criativa de indivíduos ou grupos). Acredito que as respostas e as novas ideias virão com mais facilidade. Não critique antes de experimentar. Que tal tentar?


Petruska Passos é psicóloga, psicanalista e colunista do Hora News e escreve semanalmente artigos sobre Comportamento e Saúde.


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