O debate político brasileiro, frequentemente marcado por embates ideológicos e polêmicas que desviam a atenção dos reais desafios do país, ganhou mais um episódio preocupante. Recentemente, a deputada estadual Linda Brasil – mulher trans – foi alvo de críticas devido à vestimenta que usou no plenário da Assembleia Legislativa de Sergipe. A polêmica não se limitou a uma questão de protocolo, mas evidenciou um discurso que atinge diretamente os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
Sou cristão, católico praticante. Não gosto de rótulos, mas há quem me classifique como conservador. Sou filiado ao Partido Liberal (PL) e, independentemente de posicionamentos ideológicos, acredito que há pautas muito mais relevantes a serem discutidas no cenário político do que a indumentária de uma parlamentar. Em um país que enfrenta desafios estruturais em segurança, educação, economia e saúde, desviar a atenção para esse tipo de embate enfraquece o verdadeiro propósito da política: o bem comum.
Além da irrelevância prática desse debate, há um ponto jurídico crucial. A crítica direcionada à deputada Linda Brasil não é apenas uma manifestação de opinião política, mas um ataque que fere a Constituição Federal, especialmente no que se refere aos direitos fundamentais e aos direitos humanos positivados no ordenamento jurídico brasileiro. A dignidade da pessoa humana é um princípio inegociável em qualquer Estado democrático de direito, e a imunidade parlamentar não pode ser utilizada como escudo para discursos discriminatórios.
Quando transmito os valores cristãos e familiares aos meus filhos, católicos, reforço que o respeito à Constituição e aos direitos fundamentais não é opcional. Da mesma forma, não há espaço para discurso de ódio ou preconceito. A defesa das nossas crenças e do direito de nos guiarmos por tais valores não pode ser dissociada do amor, da caridade, do respeito ao próximo, da liberdade – nossa e dos outros –, da democracia e da pluralidade. Ensino que admitir qualquer forma de discriminação hoje é abrir precedentes para outras formas de intolerância amanhã. Um princípio fundamental. Se aceitarmos a homofobia contra alguém hoje, que garantia teremos de que nossa fé, nossa cor ou qualquer outra característica não será o próximo alvo da discriminação?
Mais do que um princípio de autoproteção, essa postura reflete uma preocupação genuína com o futuro da nossa sociedade. O Brasil não pode regredir em humanidade. Somos todos imagem e semelhança de Deus, e agir contrário ao que pregamos seria hipocrisia. Cristianismo não se resume a palavras vazias, mas a atitudes coerentes com os princípios que defendemos. A fé não pode ser usada como justificativa para disseminar o ódio e o preconceito, pois isso a esvaziaria de seu verdadeiro significado.
Por fim, do ponto de vista jurídico, pontuo que a manifestação que ora respeitosamente critico não está coberta pela imunidade parlamentar. A liberdade de expressão é um pilar fundamental da democracia, mas não pode ser confundida com liberdade para discriminar. O Parlamento e a atividade parlamentar correlata deve ser um espaço de debate de ideias, não de ataques pessoais travestidos de opinião política.
Aproveito para desejar àqueles que irão curtir o carnaval muita alegria, amor e responsabilidade. Que a festa sirva como um momento de união e respeito entre as diferenças, reforçando a ideia de que a democracia e o Estado de Direito só se fortalecem quando aprendemos a conviver com a pluralidade de forma respeitosa e pacífica.
Os direitos fundamentais não são negociáveis. Eles são a base da nossa democracia – e qualquer tentativa de relativizá-los deve ser combatida com firmeza e responsabilidade.
Adir Machado é advogado, especialista em Direito Constitucional e professor de Direito.
*Este é um artigo pessoal de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Hora News.
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