“Sai do Facebook e vai trabalhar!”, “Fecha o WhatsApp e come a comida!”, “Larga o celular para não bater o carro!”, “Sai da Netflix e vai dormir!” Quantas vezes já ouvimos ou dissemos a nós mesmos ou aos outros frases como essas? O brasileiro vive cada vez mais conectado: é amante das redes sociais, fã da troca de mensagens e, com o avanço das tecnologias digitais sobre quase todos os campos da vida, para muitos tem se tornado difícil viver sem estar o tempo todo online.
Um estudo sobre o uso de Internet e redes sociais realizado em 2017 pela agência We Are Social e pela plataforma Hootsuite, apontou que o brasileiro é um dos campeões em tempo conectado na internet: são 9 horas e 14 minutos diários de acesso. O mesmo estudo revelou que o brasileiro gasta 3 horas e 39 minutos diários nas redes sociais. São 127 milhões de usuários no Facebook, 71 milhões destes com idade entre 18 e 34 anos, e 77 milhões de usuários ativos no WhatsApp.
Durante as refeições, antes de dormir e até mesmo no trânsito ou no banheiro, cada vez mais pessoas tem passado cada vez mais tempo conectado, atraídos pelas notificações dos aplicativos instalados em seus smartphones, sempre verificando conversas em grupos de WhatsApp, trocando ou curtindo imagens, acompanhando a vida de famosos ou compartilhando memes de gatos entre tantas outras coisas.
Adam Alter, professor de marketing na Faculdade de Administração da Universidade de Nova York, alerta que as redes sociais e os aplicativos são desenvolvidos “para roubar o tempo e a atenção dos usuários para que eles não se afastem da tela”. Ele afirma que está se tornando cada vez mais difícil usar aplicativos com moderação, não por falta de vontade, mas pelo fato das redes sociais e aplicativos serem projetados para atrair nossa atenção e derrubar nossa capacidade de autocontrole. Por isso, o feed do Facebook é infinito, a Netflix passa automaticamente o episódio seguinte, o Tinder encoraja os usuários a continuar passando o dedo de foto em foto em busca de “uma opção melhor”.
Apesar de todas as possibilidades, comodidades e facilidades oferecidas pelos smartphones, outros dispositivos móveis e aplicativos estão causando dependência tecnológica. A maior prova disso é a incapacidade de muitos em evitar usar dispositivos móveis no trânsito. De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, o uso de celular ao volante é a terceira maior causa de fatalidades no trânsito no Brasil. A Administração Nacional de Segurança Viária dos Estados Unidos declarou que o uso de celular aumenta em 400% o risco de sofrer um acidente de trânsito. E, no entanto, diariamente, vemos pessoas ao volante usando o celular para checar as últimas atualizações de seus aplicativos preferidos.
Greg Hochmuth, um dos engenheiros fundadores do Instagram, conta que percebeu que estava criando uma máquina de viciar. “Há sempre outra hashtag para clicar. As pessoas podem ficar obcecadas”, disse. Sean Parker, ex-presidente do Facebook, afirmou em entrevista ao site americano Axios, em 2017, que redes sociais, como a que ajudou a fundar, afetam nossas interações sociais e produtividade “de modos estranhos”. Parker também afirmou que a rede social não se preocupa com o bem-estar dos seus usuários e que tudo o que importa é que as pessoas mantenham os olhos colados na tela e passem o máximo de tempo possível usando o dispositivo.
Redes Sociais e outros aplicativos estão contribuindo para nossa incapacidade de controlar o uso da tecnologia. Estudos recentes têm associado essa dependência tecnológica ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Ansiedade Social, o Transtorno de Ansiedade Generalizada, o Transtorno Bipolar, o Transtorno Depressivo e os Transtornos de Personalidade e os jovens são os mais afetados. Um estudo da Royal Society for Public Health concluiu que o Instagram tem um grande impacto negativo sobre questões como ansiedade, depressão e imagem corporal em jovens entre 16 e 24 anos.
Ao se depararem com as falsas realidades nas redes sociais, os jovens sofrem de baixa autoestima e busca do perfeccionismo. Jovens que chegam a gastar mais de 2h por dia nas redes sociais como Facebook, Twitter ou Instagram são mais propensos a sofrerem problemas psicológicos. O relatório também mostra que um em cada cinco jovens afirmam acordar durante a noite para verificar mensagens nas mídias sociais. Esse permanente estado de alerta tem efeitos nocivos: um em cada seis jovens sofrerá um transtorno de ansiedade em algum momento de suas vidas de acordo com o levantamento.
Regina Assis, Doutora em Educação pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, afirma que “estamos encontrando nos consultórios e salas de aulas crianças agitadas, intensas e com uma dificuldade imensa de atenção, o que prejudica não só o processo de aprendizado, mas o desenvolvimento saudável de relacionamentos” por causa da super estimulação causada pelas telas dos dispositivos móveis. Como o foco de aplicativos e redes sociais é tentar impedir que o usuário saia de seu ambiente virtual, plataformas como o Facebook desenvolvem algoritmos projetados para entregar mais e mais conteúdo que reflitam as ideias e pontos de vista dos usuários mantendo-os conectados por mais tempo. Como consequência, os usuários se tornam mais intransigentes, dogmáticos, teimosos e resistentes a opiniões divergentes, como ficou claro no comportamento online de milhares de usuários nas últimas eleições em redes como o Facebook e aplicativos como o WhatsApp.
O conteúdo banal, superficial e inútil produzido por muitos dos milhares de assim chamados “influenciadores digitais” tem tornado nosso pensamento estéril. A superficialidade de seus conteúdos nas redes sociais tem dificultado o pensamento reflexivo, crítico e independente em nossos jovens. As interrupções causadas pelas notificações das dezenas de aplicativos instalados em nossos smartphones tem tornado nossa capacidade de atenção fragmentada. A dificuldade de controlar o uso da tecnologia está causando consequências negativas e prejuízos nas principais áreas da vida das pessoas: relacionamentos interpessoais negligenciados ou em crise, performance acadêmica medíocre, desempenho no trabalho abaixo do esperado e problemas de saúde física e mental.
Em seu livro “Irresistível: por que você é viciado em tecnologia e como lidar com ela”, Adam Alter conta que quando Steve Jobs lançou o iPad em 2010, ele acreditava que todo mundo deveria ter um, mas não deixava seus filhos usarem o dispositivo como declarou ao jornalista do New York Times, Nick Bilton. “Limitamos a tecnologia usada por nossos filhos sem casa”, disse Jobs. Evan Williams, um dos fundadores do Twitter, comprava centenas de livros para seus dois filhos pequenos, mas se recusava a lhes dar um iPad também. Os executivos do Vale do Silício mandam seus filhos para escolas sem tecnologia. Eles seguem o mesmo raciocínio dos traficantes de drogas: nunca fique chapado com a sua mercadoria pois sabem que suas criações podem causar dependência tecnológica e são os mais cautelosos. Nós também devemos ser. A tecnologia digital é uma necessidade moderna e o ruim não é o uso de aplicativos ou redes sociais em si, mas como esse uso se dá. Quando a relação com aparelhos conectados à Internet vira compulsão e começa a atrapalhar outras áreas da vida é a hora de ficar offline e assumir o controle.
Murilo Lima é analista comportamental, coach e especialista em gestão de empresas e empreendedorismo. Possui também formações em desenvolvimento de líderes, desenvolvimento estratégico e gestão da criatividade e inovação. Atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju e mentor voluntário da ONG Projeto Gauss. Desde 2012, conduz processos de desenvolvimento pessoal e profissional para empresários, líderes e jovens promissores, visando a expansão de competências, incremento de resultados e aprimoramento do ser.
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