Pirlimpimpim funcionava no Sítio. Na cidade, não há mágica que compense a ausência de gestão.
Quem nunca saiu da escola correndo, ou até deixou os deveres de lado, só para não perder um episódio do Sítio do Picapau Amarelo? Era o momento mágico do dia: Dona Benta, seus netos, Tia Nastácia, Visconde, Cuca e, claro, toda a irreverente turma que encantava gerações. E no centro de tantas aventuras, ele – o pó de pirlimpimpim.
Não era qualquer pó – era o pó de pirlimpimpim. Nas histórias de Monteiro Lobato, bastava jogar sobre a cabeça e, num instante, a turma viajava no tempo, resolvia dilemas, aprendia com filósofos gregos e conversava com figuras da história do Brasil. Tudo funcionava. Tudo tinha solução. Bastava o pó.
Emília, uma boneca feita de pano por Tia Nastácia, é uma das personagens mais icônicas do Sítio – conhecida por sua inteligência, curiosidade e espírito destemido. Junto com Narizinho e Pedrinho, ela usava o pó mágico para embarcar em jornadas que atravessavam mundos e desafiavam qualquer limite da imaginação.
Mas aqui, no mundo real, o pó mágico é só fantasia – não resolve problemas, não move montanhas, não transforma o que precisa mudar. E, infelizmente, muitas gestões públicas ainda tropeçam onde mais deveriam avançar: em tirar do discurso as ações concretas. Entre falas repetidas, planos que não saem do papel e cronogramas que vivem sendo adiados, o que se vê é um ciclo lento e frustrante. Ainda assim, a população segue resistindo – com esperança teimosa – mesmo quando tudo conspira para o contrário.
Faltam ideias, faltam projetos, faltam gestos concretos. O que sobra são discursos preparados, promessas recicladas, notas oficiais cuidadosamente redigidas e uma enxurrada de posts e reels cheios de efeitos, slogans e sorrisos ensaiados. A fantasia está no feed – a realidade, no lixo das ruas. E se alguém achava que a situação já era ruim, agora percebe que pode, sim, piorar. Porque sem rumo, sem prioridades e sem ação, até o que estava precário corre o risco de desandar de vez.
A nova gestão podia estar navegando em águas mornas e tranquilas, com o vento a favor e margem para avançar. Mas preferiu o caminho das turbulências: entrou em mar revolto, perdeu o rumo e se afastou da bússola do básico. Podia estar surfando em resultados, mas escolheu o olho do furacão – e agora parece presa à própria tempestade.
Ainda é cedo para um diagnóstico definitivo, mas os sinais já apontam para um problema clássico – aquele que o povo sabe bem e que virou até ditado: quem muito abarca, pouco aperta. Na ânsia de mostrar serviço e abraçar várias frentes ao mesmo tempo, corre-se o risco real de não avançar com a profundidade necessária em nenhuma delas. É um alerta que deveria ser levado a sério, antes que o barco perca de vez o rumo.
Enquanto a turma original do Sítio do Picapau Amarelo enfrentava reis, questionava ordens e reescrevia histórias com coragem e criatividade, a nova “turma” da vida real – aquela que deveria governar – prefere o palco das redes sociais. Esconde-se atrás de câmeras, edita falas como se fossem trailers de campanha e se tranca em gabinetes onde a realidade não entra. Apostam que um filtro bem aplicado pode suavizar o abandono e que curtidas substituem resultados. Mas fora das telas, a população continua esperando por respostas concretas. Porque problema não se resolve com efeito visual — se resolve com trabalho, presença e compromisso real com a transformação.
O pó de pirlimpimpim nunca passou de uma fantasia – um símbolo de fuga, uma esperança doce que só existia na ficção. No mundo real, o tempo passa, os problemas se acumulam e as promessas se repetem. E diante de uma gestão que não entrega o básico, que falha no essencial e empurra a realidade com a barriga, a paciência da população já não é só curta – é quase nenhuma. A esperança, antes paciente, agora cobra com urgência. Porque a mágica acabou, e a conta chegou.
Emanuel Rocha é historiador, coautor do livro de Bacias Hidrográficas de Sergipe, coautor do livro Bairro América: A saga de uma comunidade, repórter fotográfico e poeta popular.
*Este é um artigo pessoal de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Hora News.
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