Saúde nas Entrelinhas – Essa semana o Ministério da Saúde chamou uma coletiva de imprensa para apresentar as novas recomendações de isolamento social para a Covid-19 em decorrência do aumento de número de casos.
Um novo cenário se desenha. A Covid agora encontra uma população em grande maioria vacinada. Seu agravamento e sua mortalidade estão se restringindo a idosos com comorbidades, grupo responsável pelo maior número de internações hospitalares e em UTI. Essa mudança de comportamento se deve a nova variante circulante ou a vacinação em massa que foi feita? A despeito do resultado de estudos, parece que depende mais a que grupo político se pertence. Se você é pró-vacina, o sucesso se deve a vacina. Caso seja contra a vacina, a variante ganha a medalha.
A politização da pandemia chegou em seu nível mais inacreditável. Parece que ciência, lógica e razão foram desaprendidas e de repente nos vemos em um jogo de futebol onde a bola é a pandemia e quem fizer gol teve a melhor explicação.
Independente de posicionamento político, a coletiva de imprensa teve uma motivação técnica, parece que seu objetivo foi tentar desenvolver um novo protocolo de isolamento que não isole a maior quantidade de pessoas possível. Os sintomas viraram quesito para liberação do isolamento mesmo quando sabemos que assintomáticos também transmitem. Aglomerações seguem permitidas, mesmo sabendo que a proximidade aumenta a taxa de transmissão. Será só coincidência que esse boom de casos está acontecendo justamente após as festas de final de ano?
Muito mais perguntas que respostas foram deixadas ao vento nas recomendações do Ministério da Saúde, mas não só dele. Incrivelmente o que vemos é um fenômeno mundial de flexibilização de medidas de afastamento ainda que estudos mostrem que a taxa de transmissão está aumentando. Hoje não temos mais voos, não porque julgou-se prudente não aglomerar, mas porque metade das tripulações estão contaminadas. Fique tranquilo que as aeronaves são dotadas de filtros Hepa que filtra 99% de vírus e bactérias, eles dizem quando entramos no avião.
Shows cancelados não por orientação sanitária, mas pelos próprios artistas porque toda a equipe está contaminada. Imagine isso há dois anos quando não podíamos nem sair nas ruas!
Mesmo enxergando o cenário a opção é não isolar. Chegamos ao patamar da normalidade e essas recomendações são pra forma parecer que não está parecendo que o negócio está ficando feio. Manipulação da realidade remetendo ao Ministério da Verdade de George Orwell. Estamos vivendo um livro, uma série, um filme da Netflix com roteiro desconexo.
Assistir a coletiva foi uma experiência televisiva de novela ruim que achamos o roteiro fraco. Vou tentar traduzir o que pude compreender no que envolveu na dramaturgia os números 5, 7 e 10.
Pacientes com Covid-19 testados positivos devem ficar afastados por 7 dias. Essa é a premissa básica. O que decorre depois dessa orientação é criar o clima novelesco das recomendações.
Quem testou positivo e estiver sem sintomas e não tiver feito uso de nenhuma medicação que possa mascarar quadros febris, por exemplo, pode realizar um novo teste ao 5º dia. Se negativar, está livre do isolamento, se mantiver positivo tem que completar os 10 dias (o que os diferem dos que não fizeram o teste e ficam 7 dias no isolamento é falha de roteiro).
Quem testar positivo, mas apresentar sintomas da infecção devem ficar isolados por 10 dias (o roteiro também não explicou porque os sintomáticos ficam mais tempo isolados já que assintomáticos também transmitem – possivelmente uma adaptação de roteiro do filme. “A Praia” onde feridos e doentes são isolados da comunidade perfeita, pois podem incomodar a perfeição criada pelos líderes bronzeados e cheios de saúde. Já pensou você trabalhando ao lado de alguém tossindo e com febre que testou positivo para Covid? Inaceitável! Mas se ele não tossir e não tiver febre fica mais fácil o fazer de conta.
Testes escassos, população cansada, internações aumentando e orientações sem sentido, todos fazendo de conta que a realidade não é real, criando uma anedota para viver uma realidade alternativa; isso, enquanto o bicho não vem. Cuidado pra ele não te pegar! Na realidade real, ele está bem ao seu lado.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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