As crianças brasileiras estão ganhando smartphones próprios cada vez mais jovens e é cada vez mais comum ver pais liberando o uso dos celulares e tablets para bebês e crianças, para entretê-los e/ou mantê-los quietos.
A pesquisa “Crianças e smartphones no Brasil” publicada em outubro deste ano e realizada pelo site de notícias especializado na cobertura da indústria móvel, Mobile Time e a Opinion Box, empresa de pesquisa de mercado, apresenta números surpreendentes e dados preocupantes: entre 4 e 6 anos de idade, 3 em cada 10 crianças já tem seu próprio smartphone e entre 0 a 12 anos 83% das crianças brasileiras já acessam um smartphone, seja próprio ou emprestado dos responsáveis. Os resultados também revelam que o desejo por um smartphone começa cada vez mais cedo: 40% das crianças com até três anos de idade pedem um celular de presente e o percentual cresce gradativamente, chegando a 96% entre as crianças de 10 a 12 anos.
WhatsApp, Facebook e Instagram estão sendo cada vez mais acessados pelas crianças: na faixa de 10 a 12 anos, o WhatsApp é usado por 71% das crianças que acessam smartphones; O Facebook, por 50%; e o Instagram, por 41%. Vale lembrar que pelos termos de serviço desses três aplicativos, somente indivíduos a partir de 13 anos de idade poderiam criar contas neles.
Quando Steve Jobs lançou o iPad em 2010, apesar de acreditar que todo mundo deveria ter um, ele não deixava seus filhos usarem o dispositivo. “Limitamos a tecnologia usada por nossos filhos sem casa”, disse Jobs ao jornalista do New York Times, Nick Bilton.
Evan Williams, um dos fundadores do Twitter, também não deixava seus dois filhos pequenos usarem um iPad. O motivo? Os executivos do Vale do Silício sabem que suas criações podem causar dependência tecnológica em seus filhos e são os mais cautelosos e os especialistas confirmam: o uso excessivo das novas tecnologias aumenta consideravelmente a taxa de doenças psicológicas como depressão e ansiedade na infância, transtorno de apego reativo, déficit de atenção, transtorno bipolar, psicose e outros problemas de comportamento infantil. Para eles a prática de usar a tecnologia como uma chupeta digital para distrair e entreter as crianças está longe de ser saudável.
Quais são os riscos para crianças que usam smartphones e tablets cada vez mais cedo?
Um estudo recente publicado pela JAMA Pediatrics (Journal of the American Medical Association) e realizado pelos pesquisadores americanos John S. Hutton, Jonathan Dudley, Tzipi Horowitz-Kraus, entre outros, analisou o impacto das telas de smartphones e tablets em crianças de 3 a 5 anos de idade. Evidências científicas demonstraram o impacto na formação neuronal do cérebro infantil com alterações nas regiões associadas às habilidades linguísticas, habilidades de ler e escrever da criança em idade pré-escolar e na região associada a funções executivas do cérebro.
A conclusão é que a ¨fiação neural¨ fica mais confusa quando as crianças pequenas são expostas às telinhas de forma intensa e que a exposição do cérebro ao uso excessivo de tecnologias pode acelerar seu crescimento, especialmente em bebês entre 0 e 2 anos de idade, resultando em problemas como: déficit de atenção, atraso cognitivo, dificuldade de aprendizagem, aumento da impulsividade e falta de autocontrole.
Além disso, telefones celulares diminuem as interações face a face entre pais e filhos tendo um grande impacto no desenvolvimento cognitivo, linguístico e emocional gerando um total de distanciamento das crianças à realidade da vida.
O uso excessivo das telas também cria na criança um estilo de vida sedentário. A falta de atividade física faz com que as crianças desenvolvam obesidade, trazendo outras consequências mais graves como diabetes, problemas vasculares ou doenças cardíacas. Outra consequência negativa é que, com foco grudado no equipamento a uma distância muito próxima dos olhos, as crianças acabam forçando a vista aumentando as chances do aparecimento de alterações na refração ocular. Somente na China observou-se um aumento para 80% no número de crianças na escola que precisavam de óculos corretivos.
Se proibir os smartphones para crianças e adolescentes parece uma tarefa quase impossível recomenda-se evitar o uso em excesso, diminuindo assim os efeitos negativos. A Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Canadense de Pediatria, a interação com os smartphones ou outro tipo de tecnologia jamais deveria se iniciar antes dos 2 anos de idade. Para as crianças de 3 a 5 anos o uso deve ser de forma controlada e apenas uma hora por dia. Já para crianças e adolescentes entre 6 a 18 anos de idade, o uso deve ser de no máximo 2 horas por dia. Já a Associação Americana de Pediatras recomenda aos pais algumas diretrizes para o uso de mídias digitais:
- Pais devem servir de modelo às crianças que espelham os adultos. Se os próprios pais fazem uso excessivo da tecnologia, é natural que os filhos queiram imitá-los. Logo, é importante que os pais controlem o próprio uso de aparelhos eletrônicos;
- Não permitir que as tecnologias digitais substituam o tempo de qualidade com os pais, seja com brincadeiras, lendo um livro ou outras atividades ao ar livre;
- Criar zonas sem tecnologia em casa mantendo os quartos das crianças livres de smartphones e tablets e evitando seu uso durante as refeições em família, outras reuniões familiares e sociais. As crianças que usam celulares e tablets à noite têm mais dificuldades para dormir o que afeta consideravelmente o rendimento escolar da criança e a sua saúde;
- Limitar o tempo de uso da tela para crianças de 2 a 5 anos a apenas uma hora por dia de programação de alta qualidade.
- Controlar o que os filhos fazem no smartphone é imprescindível. Apenas 27% dos pais entrevistados na pesquisa “Crianças e smartphones no Brasil” afirmaram que sempre controlam o que os filhos acessam no smartphone, enquanto 35% fazem isso na maioria das vezes e 29%, apenas às vezes. O acesso a redes sociais, serviços de mensagens e plataformas de vídeos para adultos expõe as crianças a conteúdo possivelmente impróprio para a sua idade deixando-as vulneráveis a diferentes tipos de assédio virtual (cyberbullying).
- Supervisionar o uso da tecnologia pelas crianças. Sempre que as crianças usam os tablets ou smartphones, elas se separam cada vez mais de seus pais, familiares e amigos. Além de causar déficit de atenção nas crianças, o uso excessivo da tecnologia também pode diminuir a interação com outras crianças ou com os adultos e diminuir a concentração e a memória das crianças devido à influência da velocidade dos conteúdos neste tipo de mídia.
Por mais atraentes que sejam as novas tecnologias, evidências científicas demonstram que o desenvolvimento dos seres humanos não se adapta prontamente e que não evoluímos da mesma forma que as novidades ao nosso redor e o mesmo vale para as crianças.
Portanto, o uso responsável e adequado da tecnologia pode até enriquecer o desenvolvimento de uma criança, mas a idade certa para dar um smartphone de presente deve ser analisada com cuidado, levando em conta a maturidade da criança e também a capacidade dos pais de acompanhar de perto sua relação com a tecnologia para que ela seja saudável, equilibrada e responsável e não atrapalhe seu desenvolvimento social e suas experiências no mundo real.
Murilo Lima é analista comportamental, coach e especialista em gestão de empresas e empreendedorismo. Possui também formações em desenvolvimento de líderes, desenvolvimento estratégico e gestão da criatividade e inovação. Atualmente é gerente comercial da Jovem Pan Aracaju e mentor voluntário da ONG Projeto Gauss. Desde 2012, conduz processos de desenvolvimento pessoal e profissional para empresários, líderes e jovens promissores, visando a expansão de competências, incremento de resultados e aprimoramento do ser.
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