O ser humano é uma das espécies mais adaptáveis do planeta. Para isso, tivemos de aprender a não nascer prontos, para aprender com o ambiente ao nosso redor. Sabiamente, sobrevive mais aquele que também aprende que os ambientes mudam e nós precisamos mudar com ele.
Simplificadamente, trazemos em nós uma parte do que somos e aprendemos com o meio formas de melhorarmos. Seguindo este modelo de pensamento, quando nascemos, o que está ao nosso redor e é vivido, como natural, pelos nossos pais e comunidade também será natural para nós. Hábitos, costumes, crenças, cores e amores. Formas de se ver, sentir e se enxergar. Assim vamos construindo nossa identidade: sentindo, pensando e aprendendo com os outros de modo consciente e inconsciente.
O grande problema é: e quando aparece algo novo? Algo que não é comum dentro da nossa família? Ou um hábito que descobrimos que não é salutar? Como lidar com o novo? Com este diferente que se desvela?
As pessoas tentam viver com um certo nível de segurança e conforto. Para isso, deixa de questionar muitas coisas e absorve saberes como verdades. Em situações de incerteza, com o surgimento do que lhe é diferente, a primeira tendência é de afastamento e quando não amadurecida, a pessoa tende a repudiar aquilo que é diferente de si, por medo da desconstrução ou questionamento da sua identidade.
Estamos vivendo em um mundo incerto e em uma pandemia que trouxe o “grito calado” de um Continente destruído e escravizado. Falas negras gritam em todos os cantos, exigindo os direitos que lhe foram tirados. O racismo estrutural é o tema de muitas lives, de várias personalidades, profissionais e pesquisadores. Ao mesmo tempo que negros são mortos por seguranças em supermercados, agora o crime é filmado e noticiado. Embora seja só o começo. Falar não é o suficiente. A diferença precisa ser sentida na pele, respeitada e vivida.
Outro grande espaço se abriu. Temos a primeira vereadora trans, eleita com o maior número de votos. Linda Brasil levará a representação do grupo LGBTQIA+ para a Câmara de Vereadores, iniciando outra grande batalha: abrir espaço para a existência da diferença de gênero cis e trans como toda e qualquer forma de amar. Sua luta mostra que cada um sabe “a dor e a delícia de ser o que é”. Cada um tem o direito de ser o que é.
Ser diferente, ter opinião diferente, ter corpo diferente é muito importante. A genética nos prova isso. Cruzamento de animais com consanguinidade geram filhotes com maior tendência ao adoecimento e a doenças genéticas. Ao contrário de cruzamentos de animais de grupos diferentes que, normalmente, torna os descendentes mais fortes.
Também no desenvolvimento das ideias é fundamental ter uma tese e uma antítese, para chegarmos a uma síntese. As diferenças agregam valor. Em todos os lugares onde temos pessoas com visões e mundos diferentes, esses mundos se somam, ampliando o universo para todos os integrantes.
Em vez de deixarmos “nosso inconsciente” repetindo histórias passadas, é hora de trazer a responsabilidade, a possível dor do desconforto do não saber, o medo e a insegurança para serem cuidadas, a fim de que possamos aprender a olhar para o outro. Olhar o outro. Não para vermos um espelho nosso, mas para transpormos este espelho, nos permitindo estar junto com o novo, e trazer o que há de mais sublime – a expansão do conhecimento e do ser.
Petruska Passos é psicóloga, psicanalista e articulista do Hora News e escreve semanalmente artigos sobre Comportamento e Saúde.
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