Saúde nas Entrelinhas – Toda vez que falamos em diagnóstico precoce em câncer de mama associamos automaticamente a Mamografia. Sem dúvida ela é uma ferramenta fundamental no processo de detecção, porém a mamografia sozinha não faz diagnóstico.
Uma lesão suspeita obrigatoriamente tem que ser biopsiada e a biópsia em si é muito pouco falada e pouco cobrada. Segundo relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União em relação ao Programa de Assistência ao Paciente Oncológico, a realização da biópsia no Brasil pode ter uma demora de até 200 dias após indicada. São seis meses para realizar o exame e mais pelo menos dois para o resultado ficar pronto.
Adiantou fazer a mamografia se houve uma demora de 8 meses até conseguir realizar um diagnóstico e começar o tratamento? Porque é tão complexo o fluxo das biópsias Brasil a fora? Por que ninguém fala disso? Nesse Outubro Rosa, nós vamos falar.
A Biópsia
A biópsia é um procedimento que continua igual desde antes da minha graduação em medicina, que esse ano completa a maioridade. Ainda é necessário retirar um fragmento da lesão suspeita para que o material passe por um processo de preparo e análise que termina com o médico patologista lendo a lâmina com o material preparado e dando o diagnóstico, que ainda precisa ser complementado pela imuno-histoquímica que irá tipificar o tumor.
Na mama, a biópsia pode ser feita por uma agulha grossa com um mecanismo de disparo que retira alguns fragmentos ou assistida a vácuo. No caso de lesões papáveis, é só direcionar a agulha na lesão. Em lesões pequenas, a biópsia precisa ser guiada por algum método de imagem, sendo o mais fácil a ultrassonografia. Quando a lesão é vista somente por mamografia temos que usá-la para guiar o procedimento. No SUS de Sergipe, a biópsia guiada por mamografia é realizada somente no ambulatório vinculado ao Hospital de Amor, em Lagarto, exclusivamente para mulheres daquela região.
Através de uma parceria entre o Hospital Pérola Byington e a Instituição Susan Komen, um Hospital Público de Sergipe ganhou uma mesa dedicada de biópsia guiada por mamografia, aparelho novo e importantíssimo. Há alguns meses quis encaminhar uma paciente para fazer o exame e caí para trás com a informação que as agulhas doadas perderam a validade. Como isso pode acontecer? Falta de fluxo e gestão de encaminhamento. Jogar um aparelho sensacional e deixá-lo fora da regulação, das redes de referência e contrarreferência e não garantir seus insumos, é a mesma coisa que não tê-lo, então não temos.
O Câncer de Mama
Há várias maneiras do câncer de mama se manifestar, mas em 90% dos casos se manifesta como nódulo palpável. Biopsiar um nódulo palpável é simples, rápido e seguro. Como país “em desenvolvimento”, apesar de gostarmos de nos comparar a dados americanos ou europeus, possuímos características epidemiológicas como as da Índia e o México. Trabalhar a rede de saúde básica para saber examinar adequadamente as mamas e saber quando deve ser feito o encaminhamento para o mastologista ajudaria muito o sistema a funcionar.
Meus alunos do curso de medicina da UFS Lagarto que o digam. No ambulatório que fazemos juntos, 80% das pacientes são encaminhadas por dor nas mamas ou cistos simples tirando a vaga de quem realmente tem uma lesão suspeita. Meu combinado com eles é que saiam do estágio sabendo o que é suspeito e o que não é devendo ser orientado na própria Unidade Básica de Saúde. Apesar do câncer de mama ser o mais comum dos cânceres do mundo, ainda falta formação em todos os profissionais de saúde para lidarem com ele, tanto na prevenção, no diagnóstico e no tratamento.
Outubro da Biópsia
Esse mês de Outubro, nosso foco será a biópsia. Entramos em parceria com o grupo Mulheres de Peito e o Hospital Cirurgia para realizar biópsias atrasadas para pacientes do SUS. Não adianta mamografar se não conseguirmos biopsiar. Biópsias tardias levam a quadros mais avançados, com maiores custos de tratamento e uma sobrevida muito menor; elas querem viver.
Já passou da hora de olharmos para as biópsias, não só as de mama, e resolvermos o problema. Não é custo, é gestão. Que o Outubro de 2021 seja transformador para as mulheres do nosso Estado. Estamos com energia para isso!
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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