Saúde nas Entrelinhas – A semana da celebração da Independência do Brasil há anos não era tão esperada. Em clima de euforia, assistíamos as prévias como se o Armageddon fosse se instalar no dia 7 de setembro ou como se houvesse uma torcida velada para que ele ocorresse. Que dia lamentável. É fato que milhares de pessoas foram as ruas se manifestar contra ações e consequências que estão julgando incorretas. Quem disser que isso não é democracia está trabalhando na mais alta hipocrisia.
Não dá para dizer que a manifestação é democrática somente quando o discurso está alinhado ao que pensamos. Não dá para dizer que ali não era o povo, ou pelo menos grande parte dele, mostrando sua indignação por cada notícia trágica de confronto entre os três poderes.
Minha avó já dizia eu quando um não quer, dois não brigam. Acredito que essa regra valha para três também. Não há Santo naquele tabuleiro de xadrez, aliás, tabuleiro redondo, que nem lado tem. Por mais que tentem dicotomizar politicamente o movimento que enxergamos em Brasília, muito mais que político, ele é de interesses pessoais e de grupos organizados.
Os Peões
Os peões somos nós, eu e você. Através de uma ótica enviesada e de interpretações subjetivas que agradem mais ou menos nossa própria ideologia, formamos nossa opinião com base em informações tão abstratas que não sabemos nem o que é verdade. No mundo da Fake News, a verdade virou fé e historicamente, onde há fé, há guerra. Estamos em um momento onde tratamos política como religião porque não conseguimos enxergar o Paraíso, e cada um acredita no seu.
O Bispo
Como Yuval Harari cita em Sapiens, é natural do ser humano se organizar em grupos de cooperação e essa característica o difere dos demais animais. Uma maneira de se organizar que marca nossa história é a formação de crenças e religiões. O acreditar em comum é fundamental para a evolução de determinado grupo. Não é a toa que desde os Egípcios os líderes políticos eram justificados por associação a Divindade. Assim, seguiu por inúmeros povos e modelos políticos que encontramos mundo afora até hoje, vide o que está acontecendo com o Afeganistão e o Talibã. O nosso maior problema é estarmos venerando religiosamente políticos que nem de longe possuem qualquer representação divina.
O Cavalo
Minha peça de xadrez predileta, o cavalo quando bem usado é extremamente poderoso. Ele anda para os dois lados e ataca em lugares que nenhuma outra peça alcança. Temos diversos cavalos no Legislativo, andando de um lado para o outro, independente da sigla do partido, abrindo caminhos e caçando peças que possam atrapalhar estratégias que privilegiem determinados grupos. Para ele, não tem esquerda, direita ou centro. Ele anda por onde lhe for mais interessante, assim como inúmeros parlamentares.
A Rainha
Ninguém conhecia o poder da Rainha até essa partida começar. Escondida em togas e ministros carrancudos, a rainha resolveu mostrar que pode mandar. Ainda não parece claro para que lado a rainha está jogando, mas como disse, nessa partida o tabuleiro é redondo. Sob decisões questionáveis e anulações aberrantes, a rainha expõe o rei, mas não mostra claramente a quem resolveu servir. Sugere-se que seu posicionamento é de proteger quem formou o maior número de seus integrantes, mas me parece uma dedução óbvia demais. Estamos vendo, mas não estamos conseguindo enxergar.
O Rei
O Rei é aquela peça chata, amarrada, só anda uma casa e tem que ser protegido por todo o resto das peças do tabuleiro. Nesse tabuleiro, o Rei se amarrou tanto que não tem mais peças que o protejam, só os peões. A grande vantagem de ser protegido pelos peões é que a quantidade e a serventia assustam, dão uma sensação de segurança. Nesse jogo, a desvantagem é que eles não acreditam no Rei, tem fé no Rei.
A diferença é que esse Rei não é divino e a fé uma hora acaba. Para entender o jogo extremamente complexo que está desenhado na nossa frente, temos que enxergar além do tabuleiro, nas peças escondidas e nas verdades não ditas.
Grande desafio.
Até semana que vem.
Paula Saab é mastologista pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Gestão de Atenção a Saúde pela Fundação Dom Cabral e Judge Business School (Universidade de Cambridge), membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia e articulista colaboradora do Hora News.
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