Apostas on-line viram instrumento de crime e empobrecimento, aponta CPI

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, instalada no Senado Federal, apresentou nesta terça-feira (10) um relatório que denuncia crimes como lavagem de dinheiro, evasão fiscal, formação de organização criminosa e manipulação algorítmica com possível fraude de resultados nas plataformas de apostas on-line.

O documento, com 541 páginas, foi elaborado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da comissão, e recomenda uma série de medidas para regulamentar o setor, incluindo a proibição de jogos totalmente virtuais, como os populares “tigrinho”, “ratinho” e similares.

Segundo o relatório, esses jogos, por serem baseados em algoritmos não auditáveis e sem qualquer vínculo com o mundo real, são suscetíveis à manipulação e facilitam a lavagem de dinheiro. “São 100% controlados por softwares, sem qualquer transparência”, afirmou a senadora.

Impacto econômico e social

A CPI também aponta que as apostas têm afetado negativamente a economia brasileira, especialmente entre as classes mais pobres. Um levantamento citado no relatório mostra que cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas em 2024, comprometendo gastos básicos como alimentação e medicamentos.

Estudos da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) e do Instituto Locomotiva reforçam esse impacto. Entre os apostadores, 23% deixaram de comprar roupas, 19% abriram mão de produtos de supermercado, e outros 19% cancelaram viagens para apostar. Muitos também redirecionaram dinheiro antes destinado à poupança e ao lazer para as plataformas de apostas.

Influência e publicidade enganosa

O relatório denuncia ainda a atuação de influenciadores digitais na promoção das bets. Entre os nomes citados para indiciamento estão as influenciadoras Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra. Elas e outros 14 nomes, incluindo pessoas físicas e jurídicas, são acusados de envolvimento com crimes como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e estelionato.

De acordo com a CPI, muitos influenciadores promovem apostas ilegais, apresentam o jogo como forma de investimento e atingem inclusive crianças e adolescentes. O texto pede a responsabilização desses profissionais e a criação de regras rígidas para publicidade no setor.

Lavagem de dinheiro

Entre os diversos crimes associados ao universo das apostas online, a lavagem de dinheiro tem ganhado destaque como uma das práticas mais preocupantes. A senadora Soraya Thronicke apontou em seu relatório que organizações criminosas vêm utilizando as plataformas de apostas como uma ferramenta para legalizar recursos provenientes de atividades ilícitas.

Segundo o documento, há indícios de que grupos organizados exploram brechas regulatórias e tecnológicas para movimentar grandes volumes de dinheiro sem chamar atenção das autoridades. Um dos métodos utilizados é a abertura de empresas de fachada, muitas delas sediadas no exterior que servem como intermediárias para encobrir a origem dos recursos.

“Foi constatado que diversas entidades exploraram deliberadamente brechas regulatórias e tecnológicas para facilitar o fluxo de valores, dificultar o rastreamento pelas autoridades e viabilizar a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro em larga escala”, afirma a relatora.

O cenário evidencia a urgência de uma regulação mais robusta e eficaz do setor, com mecanismos de controle financeiro e de verificação mais rígidos. A ausência de um marco regulatório claro contribui para o uso indevido dessas plataformas, comprometendo não apenas a integridade do sistema financeiro, mas também a segurança jurídica e a confiança do público nesse tipo de serviço.

Propostas e recomendações

Entre as principais recomendações da CPI estão:

  • Criação de uma entidade nacional independente para regulamentar o setor de apostas;
  • Implementação de um cadastro nacional de jogadores;
  • Restrição severa à publicidade de jogos de azar;
  • Proibição dos jogos totalmente virtuais;
  • Estabelecimento da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA), para fiscalização das apostas.

O relatório também critica a atual regulamentação, classificada como insuficiente para conter os danos causados pelas bets.

“A regulação iniciada em 2023 ainda não foi capaz de mitigar os problemas do setor”, afirmou Soraya.

Origem e expansão

As apostas esportivas foram legalizadas no Brasil por meio da Lei 13.690/2018, durante o governo Michel Temer, como uma fonte de financiamento para o Ministério da Segurança Pública. No entanto, só passaram a ser regulamentadas de fato a partir de 2023.

Segundo a relatora, o crescimento explosivo do setor – de 1.300% desde 2018 – revela um desequilíbrio econômico preocupante. Estima-se que as bets movimentaram entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões em 2024, valor próximo ao orçamento previsto para o Ministério da Educação em 2025 (R$ 187,2 bilhões).

A votação do relatório foi adiada após pedido de vista coletivo dos senadores. A CPI agora aguarda nova data para deliberação final.



Por Redação
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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