Ambiente tóxico para a imprensa

Todas as entidades que analisam e fazem levantamentos sobre a situação da liberdade de imprensa no Brasil e no mundo são unânimes na constatação de que vivemos, ao lado do descontrole sanitário com mais de 400 mil vidas perdidas para o maldito vírus, um ambiente extremamente tóxico para os profissionais e veículos de comunicação social.

A toxicidade se verifica no recrudescimento, desde a posse do atual governo, dos ataques físicos e virtuais, das ameaças presenciais ou pelas redes sociais, numa clara tentativa de desqualificação de todos os que tentem construir uma narrativa jornalística de vigilância e cobrança dos atos das autoridades federais, em especial, do presidente da República.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) denunciou, em seu relatório de 2020, 428 casos de ataques à liberdade de imprensa, caracterizando-se o ano como o mais violento desde a década de 1990. O número de ataques cresceu 105% em relação aos 208 contabilizados em 2019. Segundo a entidade, o presidente da República foi o principal agressor de profissionais e veículos de comunicação, com 175 casos detectados.

Na mesma linha, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) concluiu que o número de ataques à liberdade de imprensa mais que dobrou no país em 2020. Ofensas, agressões, intimidações, ameaças e censuras. Segundo seu levantamento anual, numa outra metodologia, diversa da utilizada pela Fenaj, o Brasil registrou 150 casos de violação às liberdades de imprensa e de expressão em 2020, um aumento de 167% em relação a 2019.

Numa apuração voltada às redes sociais, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) identificou ao menos 174 casos de bloqueios de jornalistas por autoridades brasileiras no Twitter, com restrição de acesso a perfis de políticos com cargos públicos, como o presidente, ministros, deputados e senadores, afetando 88 jornalistas no país (uma mesma pessoa pode ser bloqueada por várias autoridades). A entidade avalia que os bloqueios aos jornalistas fazem parte de um contexto mais amplo de bloqueios ao acesso à informação e transparência no país e são “mais uma das diversas ameaças e violações a esses direitos”.

E no ranking mundial da Liberdade de Imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil caiu quatro posições e ficou em 111º lugar entre 180 países analisados, ingressando na chamada “zona vermelha”, onde a situação da imprensa é considerada muito difícil e violenta. A RSF revela que os ataques ficaram mais intensos com a pandemia de coronavírus – onde são disseminadas informações falsas e a imprensa é acusada de ser a responsável pelo “caos no país”.

Como se percebe, há muito a ser feito para preservar a integridade dos profissionais da comunicação social no Brasil, em especial aqueles que buscam manter sua imparcialidade e vigilância sobre os “poderosos da hora”, em particular agentes públicos que tenham cometido desvios, disseminado “fake news”, se apropriado de bens e recursos públicos, em evidentes e comprovadas práticas corruptas.

A Abraji anuncia uma providência pontual, patrocinado pela ONG Media Defence, com sede em Londres, com a criação do Centro de Proteção Legal para Jornalistas de todo o Brasil, voltada a assessorar juridicamente os profissionais da imprensa nas situações de assédio judicial. Nos últimos seis anos, a entidade registrou mais de 5.000 ações judiciais para retirada de conteúdo.

O olhar das entidades e profissionais também devem se voltar para o Congresso Nacional, onde tramitam pelo menos 15 projetos de lei (PL) que buscam proteger profissionais de imprensa de ataques e agressões. Entre eles, há propostas para considerar como hediondos crimes contra jornalistas, federalizar a investigação destes crimes, agravar penas de lesão corporal e homicídios e até mesmo tipificar como crime a hostilização a profissionais de imprensa. Deve haver uma mobilização para que a atividade de jornalismo se revesta de maior proteção legal. Talvez o caminho seja a lei.

Esta é uma reflexão necessária neste Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, criado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 1993, para celebrar, em cada 3 de maio, o direito de todos os profissionais da mídia de investigar e publicar informações de forma livre. Infelizmente, ainda estamos longe da plenitude deste direito.


Vilson Antonio Romero é jornalista, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Riograndense de Imprensa e membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

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